XIII CONVENÇÃO – INTERVENÇÃO INICIAL MOÇÃO E

Por Pedro Soares

Uma fraterna saudação a todas/os Congressistas e a quem trabalhou na promoção das moções A e E.

Também às várias Plataformas Locais.

A todas as pessoas, as mais e as menos jovens, que construíram e continuam a construir este Bloco.

Uma saudação solidária com quem não pôde apresentar moções a esta Convenção, não porque não tivesse ideias e propostas, mas porque foi confrontado com a imposição de limitações que diminuíram a participação e a riqueza do debate plural.

Uma saudação e um incentivo à organização da Madeira, ao Roberto Almada e à Dina Letra que encabeçam a nossa candidatura às próximas eleições para a Assembleia Legislativa da Madeira. Queremos o regresso do Bloco ao Parlamento Regional.

A moção E apresentou-se à Convenção para contribuir para o debate plural. Recusamos uma Convenção que seja um muro de lamentações, mas queremos que seja exigente na avaliação crítica e no confronto democrático das propostas.

O ambiente que vivemos internacionalmente e no nosso país é de instabilidade e de crise.

Guerra, inflação, emergência climática, crescimento das desigualdades. A sucessão de crises é uma política em si. Em cada crise o velho contrato social que foi sendo conquistado a pulso ao longo de décadas do pós-Guerra está a ser esvaziado. Menos salário, menos segurança no contrato laboral, menos Estado social, menos direitos, são os resultados de cada crise. Mas também a incapacidade do capitalismo produtivista, que só vê lucros, para enfrentar a crise climática.

Não há limites para o capital, eles não têm limites para esta verdadeira guerra social contra o trabalho.

A luta por linhas inultrapassáveis está no coração da identidade histórica da esquerda. A fixação dessas linhas divisórias e a mobilização das forças necessárias para isso são “o objeto maior da luta política no nosso tempo”, como bem sintetizou José  Manuel Pureza.

É dessa luta que trata a Moção E – Um Bloco Plural para uma alternativa de Esquerda – Um Desafio que Podemos Vencer!

O que estamos a viver está para além de uma episódica e conjuntural crise institucional. Um qualquer desaguisado entre PR e PM. A direita e a extrema-direita procuram criar essa imagem, impelidas por sondagens que as fazem salivar pelo poder. A esquerda não pode ajudar a essa tentativa de festim que tem o condão de não apresentar soluções que melhorem a vida das pessoas, mas favorece o populismo.

O PR já veio por água na fervura e até já marcou um Conselho de Estado com mais de 2 meses de antecedência. Avisou a navegação, percebeu que boa parte das pessoas está farta disto. Sim, está preocupada, mas é com os efeitos da crise inflacionista nos seus salários, com a precariedade, com a especulação na habitação e com a subida dos juros para quem tem crédito, com a degradação no SNS, com a falta de paz nas escolas, muita gente até já apoia as greves apesar de por vezes sentirem as suas consequências diretas na pele.

De facto, a crise que vivemos ainda não é institucional, isso é ruído, o que vivemos é uma crise social, que se agrava com a política desta maioria absoluta e para a qual a direita e a extrema-direita não têm respostas porque a política da crise é a sua própria política.

E por isso são capazes de fazer o pino para que o barulho do espetáculo se sobreponha à realidade social, das vidas difíceis de quem trabalha e tem salários baixos, de quem quer dar melhores condições de vida aos seus filhos e não chega lá. Dos grupos económicos que lucram milhões com a inflação e com os milhões de pessoas que empobrece.

É nesse campo que está o nosso combate principal.

Os tempos não estão para discursos vagos do tipo “uma vida boa para todas as pessoas”. É preciso mais do que isso. A luta de classes não se esvaiu por milagre, os tempos são fraturantes, exigem a clareza do compromisso político, com o trabalho, com o ambiente, com os direitos mais elementares à saúde ou à habitação, e a não ficar por declarações de princípio de largo espectro que não polarizam e só podem ter como desfecho a diluição da nossa identidade e do nosso papel na sociedade.

Esta foi a consequência de anos de troca do nosso programa pela procura de acordos com o PS, sem qualquer base real de possibilidade a não ser com o abandono das nossas bandeiras. A geringonça acabou, mas perdura e marca a orientação política do Bloco. Basta olhar para algumas entrevistas recentes.

É a recusa de avaliação do ciclo último em que perdemos influência política e social que permite insistir nesta linha, matizada agora pela necessidade sem alternativa de ser oposição a uma maioria absoluta.

Resolve-se a questão não mudando a política? Insistir na continuidade, mudando rostos? Pois desejamos as maiores felicidades, mas o mal-estar encontra-se instalado e transborda.

Pela primeira vez depois do ciclo de perdas eleitorais, o Bloco foi internamente a votos, há uma semana. O nível de abstenção foi o maior de sempre, 80%. Regiões houve onde foi superior a 90%.

A maioria da direção divulgou de forma entusiástica a vitória da sua moção, mas escondeu o que foi uma derrota de todos e todas nós. Este começa a ser um padrão de comportamento. Não avaliar os mais evidentes sinais de crise e esconder a verdade, para evitar mudar de rumo. Isso degrada a nossa democracia e procura evitar a mudança.

Temos de sair urgentemente deste atalho. Precisamos de restabelecer o diálogo entre todos nós, sem sectarismos de grupo, com capacidade de cooperação total, com respeito pela pluralidade, valorização da intervenção local, com debate aberto sem tutelas e com uma profunda avaliação da orientação que nos trouxe até aqui. Não é para arrependimentos, é para prosseguimentos com lições tiradas e responsabilidades assumidas.

Na nossa política precisamos de transmitir confiança em torno de compromissos, polarizadores. São as nossas novas causas fraturantes. São as nossas linhas vermelhas.

É uma linha inultrapassável se quiserem manter a legislação laboral imposta pela troika que agravou o desequilíbrio entre trabalho e capital e é, em grande medida, responsável pelo perfil de baixos salários e de uma economia que se aproveita disso. Há mais de 2 milhões de trabalhadores que ganham menos de 800 euros.

Tem de ser uma linha vermelha que se quiserem manter dezenas de milhares de famílias em grave carência habitacional, a par de uma especulação brutal, apesar de milhares de casas disponíveis, prontas a habitar, detidas dessa forma pelos Fundos de Investimento Imobiliário que as tratam como ativos financeiros e não pela sua função social. A mobilização pública desses fogos é inadiável. Vamos a essa luta.

É uma linha absolutamente divisória que os serviços públicos, tão essenciais como a saúde, se degradem enquanto grande parte do investimento público nessa área vai parar aos privados.

É uma linha que constitui um limite essencial, deixar que as medidas de combate às alterações climáticas e do avanço na transição energética e agroecológica se mantenham ao ritmo dos interesses do mercado. Exige-se uma agência pública para o clima que planeie, investigue e execute o cumprimento das metas do Acordo de Paris.

Os movimentos sociais desempenham um papel essencial e estratégico nas mudanças neces­sárias na sociedade, na economia, nas relações laborais, no ambiente, no combate aos conservadorismos, à fascização, à extrema-direita, na luta pelos direitos de género e das orientações sexuais, antirracista e antineocoloniais.

A tudo isto compete-nos acrescentar as questões de classe. A interseccionalidade das lutas.

Os movimentos, as lutas populares, são faróis que nos caminhos das mudanças sociais, na conquista de um novo horizonte ecossocialista, de um novo contrato civilizacional entre Trabalho, Ambiente, Conhecimento e Novas Gerações. A deriva para a institucionalização é mortífera. Transformaria o Bloco naquilo que não quis ser.

Vivemos tempos dramáticos, de regresso da guerra ao nosso quotidiano, uma corrida armamentista desmesurada e que parece não ter fim. A guerra na Ucrânia exige a condenação inequívoca da Federação Russa pela invasão de um país soberano e a nossa solidariedade total com o povo ucraniano que tem o direito de se defender e de encontrar os meios para o fazer.

O que devemos fazer enquanto comunidade internacional? Estimular a escalada militar ou concentrar todos os esforços num cessar-fogo imediato com retirada das tropas e no estabelecimento de um plano de paz? Devemos alinhar no discurso do secretário-geral da NATO que exige mais armas ou devemos apoiar as declarações do presidente Lula da Silva que pede concentração num esforço pela paz?

Cria enorme perplexidade quando vemos dirigentes do Bloco a declararem que em matéria de guerra na Ucrânia a posição é a mesma do governo português. Mas a posição do governo português é a mesma da NATO e do chamado eixo euro-atlântico!

Não foi menor a perplexidade quando vimos em Kiev o Bloco integrado numa delegação da AR que teve como objetivo reafirmar a posição da NATO pelo prolongamento da guerra e da escalada militar e de convidar para vir discursar ao Parlamento português um neonazi, o atual presidente da Assembleia Nacional, organizador de perseguições à oposição, como o massacre de Odessa, com assassinatos na folha de serviços,  nunca punidos.

Se não foi nada disto, porque esperamos para nos demarcarmos de tudo isto? Onde está uma palavra de solidariedade com a esquerda ucraniana, perseguida, assassinada ou presa? Afinal o que foi o Bloco fazer à Ucrânia?

Considerar que há vários imperialismos e potências a disputar a hegemonia mundial, retira os EUA e a NATO da equação e das suas responsabilidades evidentes na escalada militar?

Somos claros, neste quadro da guerra em território europeu, queremos Putin fora da Ucrânia e a NATO fora da Europa.

Finalmente, estamos aqui porque queremos lutar pelo diálogo interno, por um Bloco com uma política de esquerda polarizadora e com compromissos, sim com linhas vermelhas, que não dê qualquer cobertura a uma espécie de social-democracia fora de tempo, cada vez mais liberal.

Estamos aqui, como dizia Miguel Portas, para ”mudar as regras do jogo” e nada menos do que isso!

Pedro Soares

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.