A estátua de Camilo no Porto e a autocracia em espaço público

Aparentemente, o presidente da Câmara do Porto terá recuado em relação à decisão de retirar do espaço público, no Largo Amor de Perdição, a estátua evocativa de Camilo Castelo Branco, da autoria do escultor Francisco Simões, mas ninguém vai esquecer, pelo menos enquanto Rui Moreira for presidente da autarquia, do impulso autocrático de unilateralmente mandar retirar uma estátua do espaço público, lá colocada por decisão camarária desde 2012, respaldado apenas por uma petição com 37 subscritores (um deles já pediu para apagar de lá o nome). A polémica não terá terminado, a crítica a Rui Moreira também não e nada garante que o moralismo conservador não volte à carga.

O argumento de Moreira não podia ser mais bafiento – por questões de moral, bons costumes e bom gosto – que faz lembrar os salazarentos anos do chamado Estado Novo. Indignados com tanta presunção autocrática do presidente da Câmara, 38 cidadãos e cidadãs do Porto organizaram uma petição em defesa da manutenção da estátua no seu lugar original, que se reproduz na íntegra. Os 38 subscritores acusam Rui Moreira de um poder discricionário e arbitrário que não revela mais do que o tique da soberba elitista que gere e governa os destinos do município.

O melindre dos ilustres trinta e sete

O sobressalto cívico ao ler a notícia da edição de hoje do jornal Público – “Estátua de Camilo deve ser removida após petição que invoca questões de gosto e moral”, de Lucinda Canelas, não poderia ser maior. Então porque há trinta e sete indivíduos que não gostam de uma obra colocada num espaço público da cidade, o Presidente da Câmara Municipal decide, unilateralmente, retirá-la e remetê-la ao pó e ao esquecimento dos depósitos municipais?

Estamos, de facto, perante mais uma manifestação de um poder discricionário e arbitrário que não revela mais do que o tique da soberba elitista que gere e governa os destinos do município. Não importa quem são os trinta e sete signatários de tal petição, na medida em que se tratando de uma petição entregue na Câmara Municipal, ela carece de representatividade na manifestação de uma proposta, reclamação ou indignação da população do município.

Quantas petições não terão sido já entregues na autarquia com bem mais signatários que não mereceram qualquer atenção do executivo e do Sr. Presidente? Mais, pelo que se percebe da notícia, a petição não foi merecedora de debate em sede de Assembleia Municipal ou, sequer, de Executivo, apenas uma decisão de “mande-se retirar” porque há trinta e sete “tão ilustres cidadãos” que a consideram um “desgosto estético” e uma “desaprovação moral”. Tanto haveria a dizer sobre a tormenta e o constrangimento destas trinta e sete almas por causa da referida estátua, mas aquilo que importa é, uma vez mais, a atitude sobranceira de Rui Moreira. A autarquia, num determinado momento, promoveu ou apenas aceitou a instalação deste monumento escultórico da autoria de Francisco Simões, o que significou liberdade de expressão e de criação para um artista.

Trata-se de uma representação, de uma abstração e não, como garante o autor, de um retrato de Ana Plácido ou de Camilo Castelo Branco. Citado nesta peça, o mesmo afirma que “cada um tem direito à sua interpretação, à sua subjetividade. Não tenho a pretensão de agradar a todos. A unanimidade em arte não existe.” Reforçando esta ideia de Francisco Simões, mau, muito mau sintoma é quando assistimos a unanimidades culturais. Por outro lado, o gosto individual – o meu, o teu, o dele e o do presidente da autarquia, não deve ser critério para escolhas ou decisões políticas e de gestão autárquica.

Parafraseando os signatários daquela peculiar petição, dir-se-ia que “favor higiénico” para a cidade e seus cidadãos seria respeitar a diversidade e a criatividade das manifestações artísticas e culturais. O “gosto estético” e a “aprovação moral” devem-nos reservar para os espaços próprios, privados e íntimos, onde, aí sim, nem sequer são necessárias petições ou signatários.

1 – Luís Vale – Antropólogo 2 – Ricardo Salabert – Dirigente Sindical 3 – Esmeralda Mateus – Dirigente Associativa 4 – Marília Fernandes – Professora 5 – Alberto de Sousa – Assistente Operacional 6 – Lurdes Gomes – Economista 7 – José Luís Fernandes – Médico 8 – Paula Bastos – Economista 9 – João Carvalho – Engenheiro Ambiental 10 – Lisa Antunes – Licenciada em Direito 11 – Fernando Castro -Despachante 12 – Paulo Mouta – Livreiro 13 – Carlos Amorim – Analista de qualidade 14 – Jorge Lourenço – Ourives 15 – Paulo Renato – Dirigente Nacional CGTP 16 – Leandro Pires – Biólogo 17 – Diogo Borges – Estudante 18 – Domícia Costa- Ex Deputada do BE 19 – Maria Natali Pinto – Aposentada 20 – Ana Paula Ribeiro – Operadora Supermercado 21 – Ilda Monica Machado – Operadora Supermercado 22 – Inês Catarina Rodrigues – Analista Qualidade 23 – António Sá – Técnico Agrícola 24 – Helena Sofia Rodrigues – Analisa qualidade 25 – Pedro Amorim- Coordenador de Operações 26 – Cátia Reis – Responsável de Loja 27 – Joaquim Pinto Vasconcelos – Operador Especializado 28 – Sónia Manuela Martins – Operadora de Supermercado 29 – Sandra Cristina Ribeiro – responsável Loja 30 – Daniela Borges – Estudante 31 – Uxía María Vasquez – Analista Qualidade 32 – Luísa Sousa Silva – Operadora Supermercado33 – Ivo Barros – Segurança 34 – Eva Coelho – Administrativa 35 –Pedro Fontoura – Despachante Oficial 36 – Pedro Fontes – Aj/Despachante 37 – Carlos Chibante – Chefe Comercial 38 – Soares da Luz – Dirigente Associativo

Porto, 15 de Agosto de 2023


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