Acorda, Europa!

por Domingos Lopes

Duas guerras diante dos nossos olhos. A destruição e morte exaltada por ambos os lados como justificação para o injustificável.

Rússia invadiu e ocupou uma parte do território ucraniano para impedir que a Ucrânia integre a NATO, o que contrariará o que foi negociado entre os EUA/NATO/Rússia, nos termos do artigo 9.º da primeira Constituição, pré-Maidan, da Ucrânia.

Em 1948 cerca de 700.000 palestinianos foram escorraçados das suas casas, roubados de tudo por Israel com o apoio ocidental. Deram-lhes tendas eternas. Desde então o rosário de catástrofes tem sido o quotidiano até hoje, com Israel fora da lei.

Talvez valha a pena respirar fundo e pensar no modo como a Europa se posiciona sobre estes dois conflitos e confrontar as narrativas dominantes, onde os maus são os inimigos dos bons, sendo estes os EUA – país cujo Presidente George W. Bush dizia falar com Deus, mesmo após a invasão do Iraque para acabar com armas que não existiam e que Durão Barroso e Paulo Portas garantiram-nos existir e ofereceram os Açores para a Cimeira da guerra.

No que se refere à invasão da Ucrânia, os EUA/NATO/UE depois de instigarem Zelenski a armar-se, assumido publicamente por Merkl, Hollande e Poroshenko (rasgando os Acordos de Minsk) e, mais tarde, a declaração de Istambul, prometeram sanções jamais vistas, rios de dinheiro, carradas e carradas de armas, as long as it takes, até à derrota militar da Rússia… apostando tudo nas sanções. Só que o PIB russo cresceu e continua a crescer.

Era o tempo dos grandes anúncios em Kiev e da fervorosa fé de Ursula von der Leyen que as sanções jamais aplicadas a qualquer outro país derrotariam Putin que iria parar direitinho ao Tribunal Penal Internacional, onde George W. Bush, Blair, Aznar estão proibidos de entrar dado o seu liberalismo em matéria de invasões de outros países.

Zelenski entrava-nos em casa de manhã à noite. Putin era amaldiçoada a ponto de João Cravinho afirmar que seria preso, se viesse ao Algarve. A notícia única – o anúncio glorioso da vitória do Ocidente que se esfumou com a contraofensiva ucraniana. Agora, até Stoltenberg se desdiz. A Ucrânia contou pouco, a não ser para dar o sangue para os EUA/NATO/UE tentarem derrubar Putin.

Duas guerras diante dos nossos olhos. A destruição e morte exaltada por ambos os lados como justificação para o injustificável

Desde outubro de 2023 que os Israel/EUA/NATO/UE amaldiçoaram os palestinianos. Todos os bombardeamentos por terra, mar e ar se justificaram, mesmo que matem mais sete mil crianças e outras tantas mortes de idosos e mulheres num total de vinte e sete mil, tudo em três meses. Para os palestinianos o máximo que o Ocidente exige são pausas para depois Israel continuar a bombardear. Nem uma fisga, nem armas antigas, nem uma sançãozita, nem no desporto, nem no festival da Eurovisão. Que Israel mate até se cansar e que os palestinianos vão para o inferno, onde estão.

Reparem: Gaza fica do outro lado do Mediterrâneo. Washington fica a 9460 quilómetros daí. A Ucrânia fica na Europa. Washington fica a 7828 daí. Os EUA têm tropas estacionadas em todos os continentes. Têm 742 bases militares em 80 países, 118 e 44 na Alemanha e Itália, respetivamente. 119 no Japão. Nenhum outro país tem algo que se pareça com esta rede de militarização do mundo.

A Europa está em guerra e na Europa pouco se fala de paz, salvo o Papa Francisco.

Os EUA querem amarrar a Europa à sua estratégia de confronto com a China. É vital enfraquecer a Rússia, cortá-la da Europa para que fique ainda mais amarrada ao Império e dependente de combustíveis para já quatro vezes mais caros. Cabe perguntar às mentes exaltas se a Europa seria a mesma sem Dostoievsky, Chagal, Tolstoi, Gogol, Tchekov, Lermontov, Lomonosov, Tchaikovsky, Rimsky Karsakov, Putshkin, Prokofiev, Maiakovsky, Gorky, Solienitsine, Vassili Grossman, entre tantos, sem os construtivistas, e a derrota dos turcos na Crimeia, de Napoleão, de Hitler?

Os dirigentes europeus nada têm a propor para resolver o conflito sem o beneplácito dos EUA, salvo armas e dinheiro que desaparecerá nos campos da Ucrânia entre sucata destruída, corrupção e vidas perdidas. A Rússia e a Ucrânia não vão fugir da Europa… Há que encontrar caminhos para viver em paz. Já morreram centenas de milhares de europeus. No clima de guerra medra a extrema-direita. Os EUA têm imensos problemas internos. Fala-se em guerra civil. Na Europa há pobreza a mais. Só a paz pode permitir encontrar soluções. O futuro de guerra não é futuro. Acorda, Europa!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Domingos Lopes

Original no on line do Público de 08.fev.2024

https://www.publico.pt/2024/02/08/opiniao/opiniao/acorda-europa-2079727

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