por Manuela Tavares
Quem ouviu as recentes promessas da AD e do Chega de que não iriam fazer novo referendo sobre o aborto, não pode acreditar!
Paulo Núncio, Vice-Presidente do CDS e membro da AD defendeu políticas próvida, ao lado de Isilda Pegado. Quem teve acesos debates com esta senhora da Federação da Vida, entendeu bem o perigo que advém das suas palavras e a convicção com que as diz. O aborto é um crime e ponto final! A autodeterminação das mulheres para decidir sobre a sua vida sexual e reprodutiva não existe! As mulheres que abortam são criminosas!

Esses anos – 33 anos, desde que em 1974 o MLM (Movimento de Libertação das Mulheres) levantou a bandeira da legalização do aborto – até à vitória do SIM no referendo de 2007, mostram a dureza desta luta, que envolveu feministas em aliança com a APF, com partidos de esquerda, com as/os profissionais de saúde, com católicas progressistas, com muitos/as jovens que aderiram às campanhas pelo SIM com grande entusiasmo.
Aproveito para homenagear duas mulheres que já não estão entre nós: a médica Helena Lopes da Silva e a católica Ana Vicente, que se envolveram na luta pela despenalização do aborto com grande dedicação.
A partir da formação da CNAC – Campanha Nacional pelo Aborto e Contraceção – em Abril de 1979 e dos julgamentos da jornalista Maria Antónia Palla e da jovem alentejana Conceição Massano, a luta alargou-se. A campanha de solidariedade para com elas transformou-se numa onda reivindicativa que levou partidos de esquerda a entregarem na Assembleia da República projetos de lei pela despenalização do aborto, que não foram aprovados. O mesmo aconteceu na década de 1990, onde o célebre acordo entre António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa nos leva ao 1ª referendo. Perdemos, mas não desistimos! Foi preciso reanimar o movimento, fazer muitos debates, muitos confrontos com a Direita, recolher assinaturas para um novo referendo. Foi preciso criar solidariedades com as mulheres julgadas por aborto.
E, em 2007, os abraços, sorrisos e algumas lágrimas de alegria nos rostos queriam dizer que “valeu a pena”. Os feminismos ficaram mais fortes. O SIM venceu e as mulheres puderam ter, pela primeira vez, o direito a interromper a gravidez no SNS até às 10 semanas.

Quando em 1977, a UMAR (criada em 1976) toma posição pública sobre a despenalização do aborto, lembro-me de andar a recolher apoios para a Petição Pública de 5 mil assinaturas, que foi entregue na Assembleia da República a 8 de março desse ano. A maior adesão surgia das mulheres de setores populares e não tanto de colegas minhas na escola. Quando iam abortar, as mulheres do meu bairro, na clandestinidade claro, ficavam sem um mês de salário e por vezes com a saúde arruinada! Durante anos e anos, os setores ultraconservadores e mesmo os considerados mais moderados ignoraram o sofrimento destas mulheres, como se não fossem cidadãs e não tivessem direitos. Para eles/elas continuavam a ser criminosas!
Ao fim de dezassete anos, avaliamos como muito positivo o caminho percorrido. Contudo, na aplicação da lei apenas 13% das/os Obstetras do SNS e apenas 29 dos 42 hospitais do SNS acreditados praticam Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), originando que cerca de 1/3 das IVG sejam praticadas em Hospitais e Clínicas Privadas. Na aplicação da lei resulta um conjunto de procedimentos que impedem que muitas mulheres consigam interromper a gravidez no prazo estipulado.
Por isso, é fundamental:
– investir na formação científica e técnica, na sensibilização de profissionais de saúde nas áreas da Saúde Sexual e Reprodutiva;
– alargar a prática de interrupção medicamentosa da gravidez aos centros de saúde;
– regulamentar a objeção de consciência de modo a saber-se a disponibilidade de cada unidade de saúde para a prática da IVG, com contratação de médicas/os para que a lei se cumpra;
– eliminar o período de reflexão, exceto a pedido das mulheres;
– alargar para 12 semanas o prazo para interromper a gravidez, tal como aconselha a OMS (Organização Mundial de Saúde).
Tudo vai depender da correlação de forças na Assembleia da República, a partir do dia 10 de março.
Confiança para que as esquerdas tenham maioria no Parlamento.
Para já, o BE pode ser, como sempre tem acontecido, uma força de confiança para as mulheres e os seus direitos.


