por Luís Mouga Lopes
Em 1996, ano em que o Presidente Nelson Mandela promulgou uma nova constituição, pondo fim ao apartheid na África do Sul, a jornalista Viviane Forrester escreveu o livro “O Horror Económico” (Terramar); um dos grandes livros de economia que faz o balanço da crise global do trabalho. Romancista e ensaísta francesa, Viviane pertencia à ATTAC França e era crítica literária e membro do júri do prémio literário Fémina.
Neste livro, a autora afirmou que a nova estrutura de produção, quer nos países centrais quer nos países periféricos, não disponibilizaria emprego para a população ativa… Esta realidade dramática, cada vez mais crítica, faz-nos questionar todo o projeto civilizatório da modernidade, de uma realidade estranha que algumas políticas artificiais pretendem perpetuar. Em duas das muitas frases fortes deste livro, a autora refere que «o poder exercido é tal, o seu domínio está tão consolidado, a sua força de saturação é tão eficaz que nada é viável ou funciona fora das suas lógicas» e «Fora do clube liberal não há salvação». A escritora afirma o facto deste sistema ser imperioso, totalitário. De nos manter na violência da calma…!
Nada de novo, pois temos percebido, todos os dias, que os conceitos de trabalho em volta dos quais se desenrola a política se tornaram ilusórios, afirmando a autora que as lutas a esse propósito são tão alucinadas como as de D. Quixote contra os moinhos de vento. Por isso o paradoxo: os micro e pequenos empresários e os seus trabalhadores – com mais ou menos responsabilidades nos diversos sectores da economia – já não refletem nem agem com medo de perder ainda mais, pois sabem que a maior parte dos grupos de interesse (poderes políticos e económicos) estão contra eles num jogo de “vampiros” que ameaça não acabar.
Uma outra frase, «Vivemos no meio de um logro magistral, de um mundo desaparecido que nos recusamos a reconhecer como tal, e que as políticas artificiais pretendem perpetuar» reforçando o tamanho do monstro que nos obriga a viver de redundâncias e banalidades: o liberalismo, que criou uma globalização homogeneizante, entrou numa dinâmica que gera impactos negativos sobre tudo e todos. Hoje em dia já não há trabalhadores, somente endividados; parceiros, colaboradores, empreendedores e outros empresários em nome individual. Hoje em dia, a palavra “trabalhador” já não tem crédito! É lida e ouvida como um entrave, um problema para o investidor; vista como uma chatice e como uma coisa das esquerdas: como uma lista de “infelizes” que se tornaram numa lista de reprovados.
«Se os senhores desta maneira económica persistirem em arruinar o que já não passa de escombros, em explorar os vestígios de uma era desaparecida, em gerir a vida a partir do seu microcosmo, no desapontar de uma era nova à qual não tem acesso os seus contemporâneos, e, sobretudo, se persistem em tomar por única chave da vida esse trabalho que esvaziam (não sem cuidar de lhe manter na aparência os seus valores), acabarão por encontrar reposta para a pergunta, ainda não formulada, a respeito dos seus congéneres: como desembaraçar-se deles?» Ao contrário do passado recente, em que as situações de miséria mais duras e as atrocidades contra os seres humanos eram sentidas com horror (ou não), nos dias, que correm tristes, tais crueldades são tidas como situações banais; desculpadas por comentadores sem escrúpulos, sem medo de mentir. Se a estas verdades juntarmos o racismo e o ódio que proliferam sobre os trabalhadores, pobres, migrantes e defensores do socialismo, percebemos como serão os próximos capítulos deste filme de terror; sobre a vida de pessoas que procuram uma vida melhor.

[Cabeçalho: “O Grito” do norueguês Edvard Munch, 1893]

