A floresta pode ser menos vulnerável

Os grandes incêndios de 2017 evidenciaram a necessidade de aumentar o investimento na prevenção, mantendo a robustez do sistema de combate aos incêndios rurais. De facto, tal aconteceu durante alguns anos. Mas, no ano passado, o investimento na prevenção já regrediu 10%, em relação ao ano anterior.

por Carlos Matias

Os incêndios rurais estão a varrer largas áreas do centro e norte do país. Já há lamentar a perda de 7 vidas humanas – o pior de tudo. Foram destruídas casas de habitação, infraestruturas, instalações industriais e devastadas largas áreas de floresta e mato. Neste momento, o primeiro dever é o de solidariedade. Com os que perderam familiares, antes de mais. Mas também com os que perderam as suas habitações e outros bens. E, claro, com os milhares que combatem as chamas, bombeiros e civis. Infelizmente, era provável que, mais cedo ou mais tarde, ocorresse uma catástrofe como a que vivemos. Ou ainda pior.

Porquê?

Porque, no essencial, subsistem as causas estruturais que permitiram a erupção de sinistros com idênticas dimensões. A extrema fragmentação do espaço rural no centro e norte do país há muito exige que se avance para a gestão agrupada das centenas de milhares de muito pequenas parcelas. Só dessa forma poderão ser bem geridas, diversificando o mosaico rural, valorizando os critérios ambientais, privilegiando espécies autóctones, e permitindo algum rendimento a pequenos e muito pequenos proprietários.

A criação das áreas integradas de gestão da paisagem (AIGP) abriu caminho a formas de gestão agrupada., como as unidades de gestão florestal, ainda que em áreas delimitadas do país. Só que, das 70 AIGPs criadas há 4 anos, cobrindo 140 mil hectares, nem uma está no terreno.

As 200 Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) gerem 600 mil hectares de florestas e, apesar das suas limitações, também poderiam ter um papel maior no ordenamento florestal. Nunca foram apoiadas como deviam ser.

Por outro lado, estava prevista a criação de 800 Condomínios de Aldeia, um instrumento particularmente importante em incêndios como o atual, muito incidente em espaços de interface urbano-rural. Mas, ainda só estão criados 100.

Os grandes incêndios de 2017 evidenciaram a necessidade de aumentar o investimento na prevenção, mantendo a robustez do sistema de combate aos incêndios rurais. De facto, tal aconteceu durante alguns anos. Mas, no ano passado, o investimento na prevenção já regrediu 10%, em relação ao ano anterior

É falsa a ideia de que as florestas devem ser “limpas” e que só por desleixo os pequenos proprietários não o fazem (outra coisa é a limpeza em redor das habitações). Em primeiro lugar o sob coberto tem um importante papel no equilíbrio ecológico e na manutenção dos solos. Por outro lado, muitos dos pequenos proprietários simplesmente não têm capacidade financeira para investir nas suas pequenas parcelas.

As soluções para o ordenamento rural existem e são conhecidas. A concretização desse elemento crítico da prevenção dos incêndios rurais é cada vez mais premente, dadas as evidentes e crescentes consequências das alterações climáticas.

Simplesmente os poderosos interesses da indústria da celulose vão conseguindo entravar os avanços necessários, alimentado a letargia de sucessivos governos que subfinanciam o ordenamento e a prevenção e, ao mesmo tempo, mantêm mecanismos burocráticos paralisantes.

Enquanto forem os grandes interesses florestais e das celuloses a determinarem as políticas para a floresta, estas situações dramáticas, com perda de vidas e bens, continuarão, com tendência a agravarem-se. Só a gestão coletiva e em escala dos pequenos produtores permitirá um ordenamento florestal que acabe com as imensas manchas da mistura explosiva de eucalipto e pinheiro bravo. E, ao mesmo tempo, garantirá rendimento ao minifúndio, libertando-o do monopólio da celulose, com uma floresta saudável, com critérios ambientais, ecológicos e paisagísticos – e, portanto, muito mais resistente aos incêndios.

Carlos Matias

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