Que fazer quando a terra arde e treme e o mundo desaba?

por Mário Tomé

Um sismo de intensidade 5,7 com epicentro a leste de Sines fez tremer a terra, as mesas e tilintar os copos. A natureza é simpática e vai fazendo uns alertas, uns ameaços, sempre na esperança de que o pessoal entenda e se aplique a sério na prevenção e na preparação das respostas adequadas.

Entre outros sismos desta envergadura lembro-me do de 1969, 7.9 na Escala de Richter. Estava na Escola Prática de Cavalaria em Santarém; fui à janela ver a parada a ondular num efeito curioso e surpreendente.

O sismo de 1980 na Ilha Terceira com uma intensidade de 7,2 causou grandes destruições e 71 vítimas mortais.

As devastadoras cheias de 1967 na região de Lisboa – Lisboa, Odivelas, Loures, Alenquer, Vila Franca de Xira provocaram cerca de 700 vítimas mortais, a maior calamidade depois do terramoto de 1755 que deveria estar sempre como alerta mas já lá foi!

Sete vítimas mortais, entre as quais três bombeiros nos incêndios em Setembro deste ano vieram recolocar na ordem do dia a tragédia de Pedrógão Grande de 2017 que repetiu a da Serra de Sintra em 1966 com 25 soldados mortos a fazer de bombeiros, a de Alcafache em 1985, com dezenas de mortos iniciada num brutal acidente ferroviário a que se seguiu devastador incêndio e ainda a da equipa de bombeiros chilenos que morreram calcinados em 2006 no distrito da Guarda.

O fogo é um inimigo cujo comportamento é imponderável e supera qualquer exército inimigo que, igual a nós, é previsível.

A probabilidade “matemática” de acontecerem determinadas catástrofes ou desastres entra em todos os estudos e planos. Mas está-se sempre na esperança de que nunca aconteçam e, quando acontecem, a resposta é quase como se nunca tivéssemos pensado nisso.

Uma thin red line parece separar do desastre e da tragédia a fruição da natureza e dos bens disponibilizados pelo progresso. Mas a linha não é assim tão estreita nem releva do imponderável. É uma larga faixa onde a vontade política e a organização social têm um papel decisivo.

Em última instância desculpabilizante vem, explícita ou implícita, a ideia de que “somos impotentes perante a força da natureza ou a vontade de Deus”.

Há que tornar impositiva a ideia de que a Protecção Civil é a questão vital e que, sendo os recursos escassos, constitui-se numa contradição insanável com a chamada defesa militar a que a voracidade imbecil da rastejante União Europeia impõe uma cada vez maior alocação alarve de recursos até aos 3% do PIB!

A defesa de que precisamos é a de pessoas e bens, protecção civil, e não defesa militar que prevê e prepara a liquidação de pessoas e bens.

Poderia argumentar-se que não se está livre duma guerra, muito menos agora, coitados de nós com os malandros dos russos, temos de seguir as orientações de quem sabe.

Portanto devemos preparar-nos para enfrentar o inimigo; de facto é um argumento ponderoso a que, curiosamente, só podemos linearmente  dar uma resposta: as nossas Forças Armadas estão, têm estado sempre, sem ofensa, ao serviço dos interesses dos grandes poderes imperialistas que são aqueles que promovem e sustentam as guerras. Ao serviço, em última instância, dos nossos inimigos.

Ou seja, a nossa verdadeira “defesa militar” está em não alinhar nos pressupostos políticos e operacionais de preparação, execução e sustentação das guerras. Falo de uma radicalidade saudável e necessária.

A resposta miserável do governo português à guerra na Ucrânia e à chacina genocida na Palestina mostra ostensivamente que não se trata de defender os nossos interesses próprios, directamente ligados à exigência e contribuição activa para negociações de paz  contribuindo para a paz em geral, mas de alinhar acriticamente com a estratégia belicista e armamentista, à custa das mortes dos ucranianos e dos russos e com a cumplicidade activa e criminosa com o genocídio na Palestina.

Tal posição tem no bojo a possível sujeição inane a uma guerra que não nos diz respeito a não ser continuando na dependência dos interesses rapaces do confronto imperialista e da ainda mais boçal indústria do armamento.

Ainda assim, a única defesa necessária e eficaz em quaisquer circunstâncias será a defesa civil, a Protecção Civil mesmo quando formos vítimas, enquanto “danos colaterais”, das acções agressivas e terroristas do imperialismo; e isso, mesmo quando e se, respeitando a Constituição da República, estivéssemos fora e contra as suas acções.

Ainda no caso de conflagração nuclear só uma Protecção Civil bem estruturada e bem fornecida dos meios humanos e materiais necessários e adequados terá condições para uma resposta minimamente eficaz.

As brutais destruições e a terrível mortandade a que assistimos nos dias de hoje como resultado da guerra imperialista, colocam-nos obrigatoriamente perante uma escolha: alinhar com os que fazem, “orwellianamente”, da política a continuação da guerra por outros meios ou com os que fazem, “clauzewitzianamente”, da guerra a continuação da política por outros meios e assim se poder traçar uma política própria que salvaguarde ou conduza à paz.

A contribuição para acções no âmbito da ONU de preservação da paz ou outras de apoio solidário a povos vítimas de agressão ou outro tipo de catástrofe, devemos fazê-lo fora do âmbito militar e exclusivamente no da Protecção Civil que, como se constata pelo mundo fora, é onde seremos necessários e úteis.

Partilhar com os actuais poderes e governanças a ideia atirada ao rebanho dócil para que arreganhe os dentes às suas ordens, é ser cúmplice da hipocrisia que fala de paz e direitos humanos enquanto ajuda ao genocídio do povo palestiniano, lamentando cinicamente a bestialidade desumana, sabendo que nada está a ser feito para impedir a solução final nazi/sionista e socorrendo-se da violência da invasão da Ucrânia para, segundo foi bem explicado e publicitado, sustentar a guerra para “enfraquecer a Rússia”.

Claro que dentro da perspectiva que exponho, a Protecção Civil deverá estar fortemente “armada” de meios humanos e materiais integrados numa orientação estratégica e num saber técnico e táctico que exigem organização sofisticada e conhecimento que, para além do prático, exige preparação académica.

A Protecção Civil a sério apela a grande participação e empenho de toda a sociedade o que acarretará como ganho, e não dano, colateral, a criação de fortes dinâmicas na própria economia, no emprego e no serviço público particularmente no ordenamento do território, florestação, urbanização, transportes, saúde, ensino.

Pelo contrário, a chamada defesa militar apenas impõe despesas pesadas, parasitárias pela integração na NATO e a participação nas criminosas guerras do império contra os próprios interesses nacionais quanto à defesa da paz a da soberania,

O tão propalado papel das FA’s no apoio à Protecção Civil serve para justificar o não investimento devido e necessário nesta, orientando-o para a  (in)actividade parasitária daquelas só justificada em última instância pelo significado simbólico e suporte de ultrapassada mística nacionalista se não mesmo colonialista, que liga o “esplendor de Portugal” aos seus “egrégios avós” e nos propõe “Contra os Canhões Marchar! Marchar!” quando é contra os glutões que devemos marchar a cantar a «Grândola Vila Morena»

Deve ser entendido como imperativo categórico assegurar uma profissionalização adequada do corpo fundamental da protecção civil, a sua capacitação e qualificação teórica e prática e o seu prestígio social: os sapadores bombeiros como garantes da defesa das pessoas e bens e seus meios de vida.

A “esta” Protecção Civil ficaria bem chamar Defesa Civil arrogando-se legitimamente um poder e prestígio pelo menos equivalente e contrastante com defesa militar.

Claro que é difícil arrostar com a resistência da tradição e dos interesses instalados.

Mas este é o caminho: classificação da Defesa/Protecção Civil como primeira prioridade no campo da Defesa. Há que impor um novo paradigma cortando com os decorrentes da mistificação do mundo armado e das razões para uma boa guerra.

Devemos aprofundar a discussão da tese de que, na época da guerra infinita e do imperialismo global as FA’s menos do que nunca podem ser consideradas no seu papel constitucional, de defesa da soberania nacional. Elas são, pelo contrário, um instrumento da alienação dessa soberania na medida em que só têm qualquer significado enquanto agentes menores e irrisórios da política de guerra do império global.

Uma oposição a tal política nunca poderá sustentar-se nas FA’s por motivos “técnicos” óbvios e por motivos políticos também óbvios: a luta contra a guerra imperialista, nos tempos actuais e, nomeadamente, no interior dos aliados e integrantes do núcleo assumido do império, terá de ser feita pela mobilização cívica, social e política que esvazie as alianças militares, nomeadamente a NATO, do seu conteúdo propagandístico ideológico e político, imponha o seu desmantelamento  e torne supérfluo e inútil  o brutal poderio militar dos EUA.

Entre nós devemos começar pela já esquecida exigência de saída da NATO, apesar do cuidado que devemos ter com os russos que já têm aviões e submarinos e são beras por natureza.

Deve ficar clara a necessidade imperiosa de que Portugal deve mudar o seu paradigma de Defesa o que, aliás, começa a ter que ser uma opção de facto, embora a contragosto e jamais assumida, dos poderes constituídos: todo o esforço na Defesa Civil.

As FA’s deverão paulatinamente, respeitando o prestígio histórico que lhes é devido, a dignidade profissional, e os direitos adquiridos dos seus membros, transformar-se num pequeno, mas eficaz, corpo militar. Ele terá como missão específica a vigilância e controlo da costa, da ZEE e do espaço aéreo, contando com uma unidade especial para apoio e resgate de cidadãos portugueses em zonas de perigo iminente e para outras eventuais missões da mesma índole; e com tarefas de colaboração especializada em situações de ponta na defesa civil apenas enquanto esta não for autossuficiente como urge e se pretende: transmissões, engenharia e serviço de saúde de campanha, meios aéreos de vigilância e de reconhecimento e combate a incêndios e de evacuação se estritamente necessário .

A participação no esforço comum internacional em acções de manutenção da paz, no âmbito da ONU, deverá ser assegurado exclusivamente por unidades da Defesa/Protecção Civil e no seu estrito âmbito.

Neste contexto, deve actuar-se ao nível da propaganda e do combate ideológico por forma a denunciar o carácter mercenário (de “baixa intensidade” …por enquanto) do serviço militar voluntário e profissional em forças que intervenham fora do âmbito atrás descrito, o que, hoje, significa todas as intervenções em curso fora do país.

A concluir: a ameaça militar decorre directamente da integração de Portugal na NATO e do seu alinhamento com a agressividade terrorista dos EUA (https://convergenciabloco.wordpress.com/2024/08/16/o-bloco-de-esquerda-e-a-ucrania-numa-recordatoria-do-imperialismo/).

Enquanto país independente integrado nos princípios da ONU e definido pela sua Constituição nomeadamente nas relações internacionais pelo  artigo7º(https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/decreto-aprovacao-constituicao/1976-34520775-50453375) , Portugal deve sair da NATO e abster-se de quaisquer relações que possam implicar o nosso povo em políticas belicistas e armamentistas ao contrário do que sucede desde o governo fascista de Salazar, primeiro, e que os partidos do 25 de Novembro continuaram, desde o próprio 25 de Abril, até hoje em flagrante ofensa ao cerne da Constituição, chegando ao estado actual de alinhamento com a vertigem armamentistas da Ursula  mais a dos guerreiros com a vida dos outros, a pretexto do impasse assassino forjado na guerra da Ucrânia apenas atenuado, em termos europeus, pela gentil integração de Israel nos festivais europeus da canção e campeonatos europeus de futebol por enquanto apenas com a bola criada para esse efeito.

O conceito estratégico de defesa, ao contrário do que sucede, deve integrar-se de raiz na necessidade imperiosa de assegurar a vitalidade, efectivação e eficácia dos eixos fundamentais que devem estruturar a sociedade organizada a partir dum Estado Democrático de Direito e no respeito exclusivo da Declaração Universal Dos Direitos Humanos e da Constituição da República Portuguesa fundada pelas lutas e conquistas populares da Revolução de Abril: paz, pão, habitação, saúde, educação;e nessa base no respeito pelas resoluções da ONU na luta pela sua reestruturação, nomeadamente para terminar com o direito de veto das grandes potências que adultera brutalmente o sentido democrático do seu funcionamento.

Mário Tomé

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