por Diogo Borges e Pedro Soares
A nossa relação social e ecológica com a natureza é determinada por quem detém a propriedade e o controlo da produção. No capitalismo, foi retirada à classe trabalhadora o acesso à propriedade dos meios de produção e ao controlo dos produtos que resultam do seu labor. Coloca-se, portanto, uma questão de poder entre classes que, no essencial, estrutura a sociedade, abrange a multiplicidade de relações sociais e de interesses subjacentes, que se desdobra e impacta diretamente na luta política.
De facto, a relação humana com o mundo encontra-se essencialmente na produção, desde a alimentação, à energia ou à habitação, entre tantos outros, incluindo, em pleno Séc. XXI, os chamados bens imateriais (conhecimento, digital…) que, na verdade, têm e estão ligados a uma base material, desde logo a energia.
Para enfrentar o poder dominante do capital e aspirar a profundas mudanças sociais, o foco tem de estar nessas relações de produção. Da mesma forma, a crise ambiental e ecológica está intrinsecamente ligada com o modo de produção capitalista, com a economia do carbono, a exploração infindável de bens naturais, o colonialismo e o neocolonialismo, sempre em busca do lucro máximo.
Porque é que a classe trabalhadora é central neste combate que exige alianças e acumulação de forças? Em primeiro lugar porque é a maioria da população e não haverá uma maioria social para a mudança sem a sua participação democrática. O exemplo do processo revolucionário pós-25 de Abril é esclarecedor.
Segundo, porque a relação da classe trabalhadora com a produção é estratégica, conferindo-lhe um poder estrutural sobre as fontes de lucro do capital e, genericamente, sobre os mecanismos de reprodução social. Esse poder fica evidente sempre que as lutas se radicalizam.
Por fim, a procura de segurança e condições de vida colocam-na na primeira linha dos movimentos por direitos sociais e económicos, como o salário, o direito à habitação digna, aos transportes gratuitos, no combate às discriminações, etc. Porém, a sua importância não fica por aí. As condições de exploração, de insegurança económica e social que marcam a vida da classe trabalhadora conferem-lhe interesse material e fundamental na transformação das relações de produção, numa nova sociedade.
Respeitar e apoiar a agenda das lutas contra as opressões é certo, mas amalgamá-las não as favorece nem é interseccionalidade. Apenas conduz à diluição de uma perspetiva de classe para a transformação revolucionária da sociedade. Subentende-se que é o pretendido.
A REJEIÇÃO DA MATRIZ FUNDADORA DO BE
A Conferência Nacional do Bloco não é o espaço para debater e tomar decisões sobre a mudança da linha política. Contudo, a poucos meses de uma Convenção, é isso que vai acontecer: a consumação de uma mudança de linha política que já vinha sendo colocada em prática desde o período final da Geringonça, que acentuou a social-democratização e conduziu ao declínio do Bloco.
Sem uma política de classe, o núcleo dirigente do Bloco rejeitou a matriz fundadora e procurou estruturar uma ação baseada numa agenda de causas, certamente justas na maior parte dos casos, mas que não permite consolidar uma perspetiva estratégica de transformação que questione os fundamentos desta sociedade. A diferenciação com o social-liberalismo torna-se cada vez mais difícil.
Daí a linha baseada na procura de alianças com um centro que aceita causas, sim, desde que se mantenha o sistema. Daí a alienação do envolvimento nas lutas dos trabalhadores, daí o desprezo pela iniciativa e enraizamento na base, daí a centralização sectária das decisões, daí o tratamento da militância como meros figurantes.
O núcleo dirigente argumenta com o avanço da direita e da extrema-direita e entende que retirará vantagem eleitoral desta mudança e melhores condições para alianças com o centro, a começar nas autárquicas. Porém, o percurso que já foi iniciado e experimentado abriu espaço à extrema-direita e indica decadência, degenerescência e perda de influência social, política e eleitoral.
O Bloco caminha para um pequeno partido “de eleitores”. Tem vindo a perder contacto com a realidade, subalterniza a classe trabalhadora e as lutas sociais, privilegia o parlamentarismo, afunda-se em manobras táticas, aliena a democracia interna e a participação, não tem capilaridade a partir da base. Continuar por esse caminho é prosseguir com o ciclo das derrotas. Há que mudar e construir uma nova resposta política popular. O atual núcleo de direção tem vindo a demonstrar não estar à altura dessa tarefa; a ausência de um balanço no texto que propõe à Conferência, a insuficiência da análise e a insistência numa orientação política que já provou ser errada, tornaram isso por demais evidente.
Nota: Texto publicado no Boletim nº 2 da V Conferência Nacional BE

