por Rui Cortes
A transição energética, promovida como uma solução para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e combater as mudanças climáticas é uma iniciativa importante e necessária. No entanto, a mesma está ao serviço do capitalismo e à inerente acumulação contínua de lucro, obrigando a um consumo energético crescente. Em consequência, as energias renováveis, seja a hídrica, a eólica, a fotovoltaica ou a biomassa, que não estão, de modo algum, isentas de danos no meio ambientes, crescem de modo exponencial e, paralelamente, aumenta a degradação ambiental
Na verdade, as energias renováveis são frequentemente descritas como “100% limpas”. Embora a produção de eletricidade a partir dessas fontes seja menos poluente, os processos de extração, fabricação e descarte dos componentes, como painéis solares e turbinas eólicas geram impactos ambientais significativos. Acresce que o seu ciclo de vida ronda as 3 décadas, sendo ainda desconhecido o modo de proceder à reciclagem dos materiais, pelo que estas estruturas começam a acumular-se em extensos depósitos, o mesmo acontecendo com o lixo eletrónico gerado por baterias de carros elétricos.
A mineração de materiais como lítio, cobalto e terras raras, necessários para baterias e outros componentes, leva a danos ambientais extremos. No que respeita às hidroelétricas, a consequência é a artificialização dos rios e a fragmentação dos habitats, além de que as albufeiras eutrofizadas produzem quantidades apreciáveis de gases de efeito de estufa (GEEs), em parte devido à libertação de metano.
Por sua vez, as centrais de biomassa, defendidas como um modo de evitar a acumulação de combustível e os inerentes incêndios florestais, utilizam cada vez mais a madeira provenientes de árvores em pé (tal como acontece em Portugal), em vez de matos e resíduos, por ser mais lucrativo.
Acrescem as condições de trabalho, muitas vezes precárias, à custa de mão de obra imigrante e igualmente descartável, além do deslocamento de comunidades locais, violação de direitos humanos e alteração das formas tradicionais de subsistência. É isto que esperam as populações de Montalegre, Boticas, Serra d’Arga, Argemela, etc., que tiveram a “oportunidade” de estarem junto a jazidas de lítio, “o petróleo branco de Portugal”, segundo os promotores.
A dependência de combustíveis fósseis pode ser substituída por uma dependência igualmente preocupante de minerais raros. A produção de tecnologias como baterias para veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia exige grandes quantidades de minerais raros. A exploração e processamento desses minerais estão concentrados em poucos países, criando novas cadeias de dependência e riscos geopolíticos. Paralelamente, o aumento das renováveis não está a fazer diminuir a utilização dos combustíveis fósseis.
Devemos ainda ter em conta que a produção de energia solar e eólica é intermitente, o que gera a necessidade de tecnologias de armazenamento de energia em larga escala, como baterias, que são caras e não tão eficientes quanto as fontes de energia tradicionais. A falta de tecnologias de armazenamento economicamente viáveis limita a capacidade das renováveis de fornecer energia estável e contínua. Por outro lado, o aumento da industrialização verde não reduz os impactos ambientais dado que a produção em massa, tal como é exigido pelo sistema capitalista, nomeadamente de carros elétricos, sistemas de armazenamento e painéis solares, também envolve atividades industriais que geram emissões de GEEs e poluição, além de grandes necessidades de energia e água.
Grande parte da transição energética depende fortemente de subsídios governamentais e incentivos fiscais. Sem esses apoios, num mercado desregulado as renováveis não são competitivas em relação aos combustíveis fósseis, para mais nos atuais cenários de guerra.
Numa perspetiva ecossocialista, para uma verdadeira transição sustentável, é essencial reduzir o consumo global de energia, aumentar a eficiência e promover a economia circular, o que não é possível numa sociedade capitalista, que gera “necessidades” de consumo sempre crescentes. Somente substituir fontes energéticas não resolve problemas estruturais de desperdício e de modelos económicos e ambientais insustentáveis, além de só agravar a crise climática e levar a problemas sociais extremos pelo impacte que as renováveis têm nas comunidades locais. Estas questões deveriam ter relevo nas ações do Bloco de Esquerda, o que não tem acontecido.
Nota: este texto foi publicado no Boletim nº 2 da V Conferência Nacional do BE

