Por Stéphane Marati
As eleições na Alemanha são um aviso para toda a Europa. A política de apoio à guerra do governo de coligação SPD (socialistas), Verdes e FDP (liberais) conduziu o país ao desastre e a uma desindustrialização massiva; há, por exemplo, mais de 1.000 despedimentos, por semana, no Land de Brandemburgo, nos arredores de Berlim. A política de liquidação dos serviços públicos e das conquistas dos trabalhadores, levada a cabo em nome do financiamento do esforço de guerra, para responder às imposições do governo americano ― e não para se opor a ele, em nome de uma pretensa “NATO europeia” ― foi severamente sancionada nas urnas: o SPD obteve o seu pior resultado desde a reunificação alemã, em 1990, perdendo 3,8 milhões de votos, enquanto a taxa de participação eleitoral subiu 6 pontos. Os Verdes perderam um milhão de votos. O FDP desapareceu do Parlamento. A situação não é muito melhor para a direita CDU/CSU, que progride em relação ao marasmo eleitoral de 2021, mas que obtém o seu segundo pior resultado da história, com 28,5%.
UMA “POLARIZAÇÃO SOCIAL” (PATRONATO)
A rejeição é imensa. É a prova de que, persistir em compromissos e renúncias, a busca frenética de estabilidade do poder, por conta da política de rapina e de terra queimada do capital, arruína os que nela se enfiam e reforça cada vez mais a pior reação: o partido de extrema-direita AfD, apoiado abertamente pelo americano Elon Musk, ganhou 5,5 milhões de votos. A Aliança Sarah-Wagenknecht concorreu pela primeira vez nestas eleições sob a bandeira da BSW. Obteve 2,5 milhões de votos e 4,97% dos votos, falhando por pouco o limiar de 5% requerido para entrar no Parlamento.
Segundo a agência ARD: “Para Wagenknecht, uma das causas do fracasso do limiar de 5% foi também a cooperação com outros partidos a nível dos Länder. A entrada em coligações (na Turíngia e em Brandeburgo) em que não havia margem de manobra custou votos”. O seu voto a favor da resolução apresentada pela CDU no Bundestag, no início de fevereiro, e votada pela AfD, com o objetivo de restringir a imigração, teve um papel determinante.
Citando uma declaração de sindicalistas alemães: “Não se pode lutar contra a guerra e votar ao mesmo tempo a favor da lei Merz apoiada pela AfD. A decisão do grupo parlamentar da BSW no Bundestag provocou uma grande incompreensão e protestos no seio da BSW e nos círculos de apoio. Este voto histórico do Parlamento contribuiu para normalizar a extrema-direita e suscitou fortes mobilizações na Alemanha, juntando mais de 800.000 manifestantes. Denunciar a imigração no lugar e em nome da política do capital ― que precisa de mão de obra estrangeira e a utiliza para dividir a classe trabalhadora ― não só é um erro, como conduz a um beco sem saída. Beneficiando desta rejeição legítima do AfD, dos partidos estabelecidos e do vazio político (sentida sobretudo pelos jovens), partido Die Linke (A Esquerda) ‒ que há algumas semanas atingia um máximo de 3% nas sondagens e que participou nas grandes manifestações de Berlim e Munique ‒ acabaria por atingir 8,7 %. Ganhou dois milhões de votos.
E AGORA?
Segundo o jornal Der Spiegel, o líder da CDU, Friedrich Merz, que foi imediatamente felicitado por Benjamin Netanyahu, esta a tentar negociar uma nova coligação com os partidos no poder, em particular com o SPD. Os interesses económicos sinalizaram a sua impaciência logo no domingo: “A economia alemã precisa urgentemente de um governo estável e funcional, dotado de uma maioria clara do centro democrático”, exigiu Peter Leibinger, presidente da federação industrial BDI. A mesma ladainha, de forma mais surpreendente, veio de Christiane Benner, presidente do poderoso sindicato IG Metall: “Não temos mais tempo. A indústria e os trabalhadores não podem ficar à espera meses a fio por perspetivas claras”. Mais surpreendente ainda, a deputada e copresidente do grupo parlamentar Die Linke, Heidi Reichinnek, declarou: “Estamos dispostos a cooperar com todos os partidos democráticos do Bundestag para garantir a estabilidade política na Alemanha” . Um refrão já ouvido em França e noutros países.
“AS REVINDICAÇÔES NÃO ESTÃO EM CONSONÂNCIA COM A NOSSA ÉPOCA” (GOVERNO)
Um militante alemão que entrevistado explicou: «Um governo CDU/SPD será extremamente frágil. Prosseguirá e agravará as políticas do actual governo, o que levará às mesmas consequências, e abrirá caminho a uma coligação CDU/AfD, se não houver alternativa de rutura. Já existe um governo de coligação CDU/SPD no Land de Brandeburgo, em Berlim, contra o qual se juntaram 10.000 manifestantes no sábado, 22 de fevereiro, véspera das eleições, para protestar contra os cortes orçamentais e as medidas de austeridade que fustigam os serviços sociais, as bibliotecas, a cultura, … Apesar de os dirigentes sindicais terem proibido qualquer faixa/cartaz que relacionasse as despesas em armamento com os cortes nos serviços públicos, os trabalhadores trouxeram muitas faixas para fazer essa relação. Face às greves e ao conflito salarial no sector público, a resposta do governo é que “as reivindicações não estão em consonância com a nossa época”». Em suma: teríamos de nos sacrificar pelo esforço de guerra, para resistir a Trump ou a ele nos submetermos ‒ consoante a sensibilidade de cada um ‒ mas para chegarmos ao mesmo resultado. É uma cantilena que se ouve hoje em toda a Europa e que os governos pretendem utilizar para tentar vencer, ou pelo menos neutralizar, a recusa e a resistência dos povos, que querem encontrar-se e não param de se exprimir de mil e uma formas.
Deste lado do Reno, Mácron toca a mesma música. Segundo a France Inter, “na quinta-feira, 20 de fevereiro, diante das forças políticas, citou o exemplo da Dinamarca, que está disposta a passar a idade da reforma para os 70 anos, para financiar o seu esforço de guerra”. Obterá ele os apoios para o conseguir? É forçoso constatar que o RN, os dirigentes do PS que se passaram para o lado de Hollande e do seu amigo Glucksmann, ao apoiarem abertamente o governo [francês] Macrõn/Bayrõu e as suas políticas totalmente anti trabalhadores e anti imigrantes, já responderam presente. As ambiguidades do PCF e dos Verdes deixam pairar a dúvida. Quanto aos líderes sindicais, cada vez mais atolados no seu conclave , cujo objetivo é agora conhecido e público ― pôr em causa a vontade popular, mais do que nunca afirmada, de revogar a reforma das pensões ― fariam melhor, eles também, se retirassem os ensinamentos destas eleições alemãs.
O medo, os compromissos, as renúncias levarão aos desastres. Para eles e para toda a sociedade. Os trabalhadores não se conformarão.
[publicado originalmente no jornal francês “Informations Ouvrières”]

