por Fernando Matos Rodrigues
Os resultados eleitorais deste dia fatídico 18 de maio, são o rosto da pobreza e da frustração, da perda de esperança e de futuro de milhares de homens e de mulheres que um dia acreditaram que este país era possível. Os partidos do arco da governação durante décadas governaram para a economia, mas esqueceram-se das pessoas. Uma política económica sem pessoas traduz-se numa política injusta, egoísta e desumana.
Na Europa o sentimento de insegurança e de medo começa a espalhar-se de uma forma agressiva entre as classes trabalhadoras com menos protecção social, com menos direitos sociais e segurança no trabalho. Este mal-estar agrava-se junto das camadas jovens com formação académica, nos bairros atomizados das cidades periféricas que não encontram respostas para uma vida digna e justa. Este fenómeno social e psicológico tem as suas origens nas políticas neoliberais que foram aplicadas na Europa e no ocidente pelos partidos sociais-democratas e republicanos.
Como podemos facilmente constatar nestas últimas décadas de desregulação social do trabalho e de globalização financeira, onde vingou a crença num Deus Mercado regulador e receita para todas as maleitas do mundo.
As últimas três décadas estão carregadas de ironia e de contradição, enquanto os especialistas defendiam um mundo global sem fronteiras económicas, sem protecionismos, sem direitos laborais rígidos e justos, o mundo político convertia-se num verdadeiro reality show, onde dominam personagens políticas promovidas pelos media e pelos grandes capitais globalizados. O triunfo de uma democracia com valores de mercado, comandada pelo neoliberalismo que teve em Margaret Thatcher e Donald Reagan os seus principais promotores, com a posterior adesão dos partidos socialistas e sociais-democratas europeus, destaque para Tony Blair na Inglaterra e Bill Clintoon nos EUA.
O Neoliberalismo segundo Wendy Brown (2016) ataca os princípios, as práticas, os sujeitos e as instituições da democracia entendida como o governo do povo e, ao mesmo tempo, que despreza os valores sagrados da democracia ocidental como a liberdade, a igualdade e a justiça social. O neoliberalismo é profundamente destruidor do caracter e do futuro das democracias. É dentro desta reconfiguração que a relação entre o Estado e a economia se alteram profundamente, colocando em causa as políticas da redistribuição, da justiça e mobilidade social.
As classes trabalhadoras são confrontadas com a desregulação do trabalho, com a promoção da precariedade laboral e o fechamento social que os conduz para uma situação de desespero e alarme social. Os estudantes são colocados perante a situação de uma formação-mercadoria, uma escola em função do mercado, sem apoios sociais que permitem aos jovens a continuidade da sua formação até à universidade. O direito ao trabalho, à saúde e à educação recuam em benefício da escola privada, elitizada e aliada das políticas neoliberais. As classes trabalhadoras, os filhos da classe trabalhadora são impedidos de entrar nas universidades públicas onde as médias atingem valores máximos, obrigando os alunos a recorrer a explicadores e salas de preparação para os exames de acesso às universidades públicas. Os pobres ficam acantonados nas escolas públicas onde reina a violência, a pobreza, o desalento e a frustração social.
Nos governos da nossa República reina o homo oeconomicus, que do alto do seu altar, governa e define programas e políticas ao serviço das grandes corporações financeiras globalizadas. Governanças alinhadas pelos princípios do sacro mercado, sob a influência de grandes gabinetes e corporações, de elites e oligarquias globalizadas. A democracia de base popular e participativa é desvalorizada e considerada coisa anacrónica. É preciso confiar no poder do mercado e dos grandes agiotas do mundo. A vida nacional é definida pelas esferas da globalização sem ter em conta os bens públicos e os direitos sociais dos cidadãos, bem como recusam a soberania popular e a destruição das fronteiras.
É neste contexto de fragilidade política e social que os partidos como o “Chega” emergem e se consolidam como alternativa de poder. Estes partidos tiram proveito das classes trabalhadoras, que se encontram num estado avançado de grande fragilidade social, económica e emocional. Paralelamente, a corrupção, o clientelismo, o fechamento dos partidos em torno de elites, de linhagens e de carreirismo partidário favorecem a sua retórica demagógica e populista, que cai que nem luva numa sociedade sacrificada com impostos, com pobreza, com precariedade, com saúde e educação cada vez mais difícil de aceder e muito cara.
O desalento, a frustração e a raiva tomam conta das classes trabalhadoras que no seu estado de crise crónica, procuram um bode expiatório, uma causa próxima que justifique a sua vida, o seu trabalho e o seu salário de merda.
Os resultados eleitorais deste dia fatídico 18 de maio, são o rosto da pobreza e da frustração, da perda de esperança e de futuro de milhares de homens e de mulheres que um dia acreditaram que este país era possível. Os partidos do arco da governação durante décadas governaram para a economia, mas esqueceram-se das pessoas. Uma política económica sem pessoas traduz-se numa política injusta, egoísta e desumana. Uma política económica preocupada única e exclusivamente com os mercados, com os negócios é fonte de grande insatisfação popular. Uma política que concebe os cidadãos única e exclusivamente como consumidores, sem direitos e sem dignidade humana traduz-se numa fonte de protesto. Os portugueses estão muito irritados com os representantes deste sistema político. Estão cansados de pagarem portagens, peagens, multas de tostões que viram a milhões a favor das grandes corporações financeiras. O Estado transformou-se no Robin Hood dos grandes impérios financeiros globais.
É urgente uma reflexão sobre o papel dos partidos na defesa e aprofundamento das democracias sociais na Europa e em Portugal, de forma a identificar as causas desta crise de regime. Como diz a sabedoria popular é preciso cerrar os dentes não para suportar a dor do momento, mas para encontrar de novo a utopia e o sonho na construção de uma sociedade livre, justa e digna. A democracia em Portugal é invadida por um partido que utilizando uma retórica de feios, porcos e maus mobiliza as franjas das classes mais desprotegidas da nossa sociedade. Os portugueses estão muito irritados com uma classe política filha do aparelho, do carreirismo e da servidão.

[publicado no jornal “Sol” 30.mai.2025]

