por Luís Mouga Lopes
1. A crise das esquerdas: entre o institucionalismo e a impotência transformadora.
Nos últimos anos, a esquerda portuguesa oscilou entre duas posições: a aceitação das regras do jogo institucional — com destaque para a submissão aos constrangimentos orçamentais e financeiros da União Europeia — e a retórica desvinculada de práticas organizativas e mobilizadoras sólidas. O episódio da “geringonça” (2015–2019), embora saudado por muitos como uma conquista tática, revelou-se, a posteriori, uma armadilha estratégica. Ao abdicar de colocar em causa os fundamentos neoliberais da política europeia, a esquerda perdeu a sua capacidade de delinear um horizonte de transformação real. Como refere a filósofa Nancy Fraser (2019), o progressismo neoliberal levou à fragmentação das lutas e à integração dos discursos emancipatórios num projeto capitalista globalizado, esvaziando o conteúdo radical das lutas sociais. Em Portugal, a política de excessiva contenção orçamental (desinvestimento público) e a aceitação dos critérios de convergência europeus asfixiaram a possibilidade de uma verdadeira alternativa social e ecológica.
2. O papel da União Europeia: dez anos de ortodoxia e impasse.
A última década de políticas da União Europeia tem sido marcada por uma gestão tecnocrática da crise climática, uma retórica verde assente no Green Deal europeu e uma insistência na disciplina fiscal consagrada no Pacto de Estabilidade e Crescimento. A retoma do crescimento económico pós-pandemia não foi acompanhada por uma mudança estrutural das prioridades do modelo europeu: o mercado continuou a imperar sobre o social e o crescimento verde converteu-se numa nova forma de acumulação capitalista “lava mais verde”. A política monetária do Banco Central Europeu e os mecanismos de supervisão orçamental atuaram como verdadeiros bloqueios à soberania democrática dos países periféricos. Como sublinha Wolfgang Streeck (2014), a Europa transformou-se num “Estado de credores”, em que os governos eleitos respondem mais aos mercados financeiros do que aos seus cidadãos…
3. Desmobilização popular e crise de representação.
O afastamento das classes trabalhadoras e populares da participação política foi uma consequência direta da inadequação das propostas da esquerda à realidade social. A precariedade laboral, a crise habitacional nas grandes cidades e a degradação dos serviços públicos não encontraram resposta à altura. As soluções oferecidas revelaram-se tecnocráticas, pouco ousadas ou excessivamente centradas em alianças parlamentares efémeras. Este cenário abriu espaço para o crescimento da extrema-direita, que, instrumentalizando o descontentamento social e a frustração política, canalizou o protesto para soluções autoritárias, nacionalistas e racistas. O abandono de uma política de afetos e antagonismos pela esquerda liberal abriu caminho à hegemonia emocional da direita radical.
4. Caminhos possíveis: refundar a esquerda ecossocialista.
Diante deste cenário, torna-se urgente pensar em soluções que passem por uma refundação da esquerda em torno de um projeto ecossocialista: democrático, participativo, anticapitalista e enraizado nos territórios. Esta refundação exige a rejeição explícita dos tratados europeus neoliberais, com propostas claras de desobediência aos limites do Pacto de Estabilidade e de construção de alianças sul-europeias para a renegociação da dívida e das regras orçamentais; a construção de um programa de transição ecológica justa, baseado na planificação democrática da economia, no controlo público dos setores estratégicos (energia, transportes, habitação) e na redução radical da “pegada ecológica”; o reforço dos movimentos sociais e do enraizamento territorial, com práticas de democracia direta, assembleias populares, cooperativas de produção e consumo, redes de solidariedade e a reaproximação às classes trabalhadoras, integrando lutas ambientais, feministas e antirracistas numa narrativa comum de emancipação. Como sugere Michael Löwy (2020), o ecossocialismo não é apenas uma alternativa económica ou ambiental; é uma proposta civilizacional que implica romper com a lógica do capital, do crescimento infinito e da mercantilização da vida.
A derrota das esquerdas em 2025 pode e deve ser um ponto de viragem. Não se trata de reconquistar o poder a qualquer custo, mas de reconstruir um projeto político que devolva esperança, participação e sentido à ação coletiva. Só uma esquerda que rompa com os grilhões da ortodoxia europeia, que fale às maiorias sociais e que assuma uma proposta ecossocialista consequente, poderá sair da marginalidade e reocupar o espaço do futuro.


