AVANÇOS DA DIREITA EXIGEM RESPOSTA E OFENSIVA

por Pedro Soares*

Reconhecida a complexidade do quadro político nacional e internacional, em que a direita alcançou a maioria parlamentar nas eleições legislativas de maio passado, a pronunciada derrota das esquerdas impõe refletir sobre as insuficiências, enfrentar a realidade, retirar conclusões e ser consequente. Só a partir daí, com iniciativa política, será possível ganhar a confiança popular.

Da análise dos balanços realizados pelas várias candidaturas à esquerda, nenhuma encontrou erros de monta nos seus discursos eleitorais que tenham contribuído para a quebra na representação parlamentar e para os ganhos conseguidos pela direita e extrema-direita. Alguns exemplos:

Paulo Raimundo[i] (PCP) considera que o resultado da CDU é inseparável “de fatores objectivos e subjectivos em que pesaram a difusão de elementos de preconceito, a recorrente falsificação e menorização da CDU e das suas propostas…”;

– “A ocupação do centro do debate político pelo tema da imigração foi um fator importante para o desaire das esquerdas”, refere a resolução da direção bloquista[ii], concluindo que o ”Bloco e outros partidos foram penalizados no voto em consequência desta realidade.”

Uma leitura desadequada do contexto político nunca é equacionada nestas análises. As propostas e os discursos políticos baseiam-se numa idealização da realidade, sem gerar qualquer empatia com o desconforto e sofrimento de muita gente. A responsabilidade é geralmente assacada a fatores objetivos, exteriores aos partidos. Quando é referido o fator subjetivo não é feita qualquer referência concreta.

Esta atitude elide responsabilidades próprias na ineficácia do enfrentamento das dificuldades políticas. Nestas circunstâncias, não serão corrigidos erros, nem adotadas mudanças na linha política, de modo a responder a uma realidade complexa e em rápida evolução.

Poder-se-á argumentar que o reconhecimento dos erros se deve fazer apenas internamente a cada força política, não devendo ser objeto de debate público. Ora, o reconhecimento das más opções tem de ser transparente, pois não responderam aos anseios populares, não obtiveram apoio, não foram compreensíveis ou não contribuíram para novas dinâmicas sociais. Só quem o fizer com clareza e humildade ganhará o crédito indispensável à recuperação da confiança.

Manter em banho-maria a crise em que a esquerda se atolou, na ilusão de que tudo continua como dantes, retira força à própria esquerda e coloca-a em mero “modo de sobrevivência”, sem capacidade de afirmar um projeto alternativo. A ofensiva que a direita e as forças neoliberais desencadeiam internacionalmente exige muito mais do que uma posição defensiva e temerosa sobre imigração, crise da habitação, emergência ambiental e ecológica ou aumento da despesa militar. Exige uma atitude ofensiva e de rotura com um regime que ataca direitos laborais e socias elementares, como saúde, educação e condições de vida básicas para grande parte da população, mas está disponível para acomodar as desmesuradas imposições do financiamento armamentista.

A oposição das esquerdas à maioria saída das legislativas, cada vez mais entrosada com a extrema-direita, tende a centrar-se na disputa parlamentar e na agenda dos mass media, aderindo a esta espécie de jogo viciado. Do PS nada há a esperar de diferente. Adota a perspetiva social-liberal que, com alguns matizes, nunca deixou de ter. A sua relação com a atual maioria parlamentar vai caindo de forma “dialogante” e progressiva nos braços de um governo cujas alianças preferenciais são com Chega e IL, quer mudar legislação laboral a favor do patronato e não põe de parte uma revisão constitucional que só poderá agradar aos seus aliados ansiosos por um ajustamento de contas com o 25 de Abril.

À esquerda, é preciso exigir uma nova resposta política, uma alternativa aos discursos casuísticos e, de facto, resignados ao situacionismo neoliberal, uma nova ambição que dê esperança ao povo que perdeu horizonte. Não servem propostas de raiz tecnocrática apresentadas como “radicais”, mas cuidadosamente buriladas para não beliscar o sistema; a proliferação de medidas redistributivas via impostos e taxas, sem responsabilizar o modelo económico em que radica a injusta iniquidade entre salário e lucro; os discursos meramente proclamatórios ou performativos sobre extrema-direita, racismo e imigração; a incapacidade para articular uma posição de fundo sobre a corrupção gerada no seio do próprio modelo económico;  as posições inicialmente vacilantes no apoio aos palestinianos, contra a ofensiva sionista; a incapacidade para, em veemente oposição à bárbara invasão russa, denunciar a vertigem armamentista, o regime ucraniano e os objetivos predatórios de EUA, UE e NATO na guerra.

A esquerda tem de se preparar para um combate prolongado e corajoso com o horizonte de um modo de vida alternativo, um novo modo de produção e uma sociedade solidária e democrática, para além do dinheiro, dos hábitos de consumo induzidos por um capitalismo insaciável na produção infinita de mercadorias inúteis, em vez de assegurar o que é essencial para condições de vida dignas, descarbonizar a economia e a sociedade, defender o ambiente e os equilíbrios ecológicos. Nas palavras de António Cluny[iii], “reconstruir uma ponte visível entre o que é hoje possível e justo fazer já e o que se deseja amanhã erguer é, pois, fundamental.” 


[i] http://www.pcp.pt/sobre-resultados-das-eleicoes-legislativas-de-2025

[ii] http://www.bloco.org/documentos/mesa-nacional/mesa-nacional-reuniu-24-maio

[iii] sol.sapo.pt/2025/08/19/eleicoes-o-estado-das-coisas-e-o-futuro-aqui-tao-perto/

*Este texto é parte do artigo publicado na revista ECOSSOCIALISMO #11 com o mesmo título. Para ler artigo completo solicitar envio da revista através do e-mail: assinaturas.ecossocialismo@gmail.com

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