A LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS NA IMIGRAÇÃO

por Pedro Soares *

De facto, não são as famílias imigrantes que degradam a qualidade dos serviços públicos nem criam a crise habitacional, é a falta de investimento no Estado Social e a consequente inadaptação à evolução demográfica que beneficia o setor privado e depaupera o acesso à saúde e educação públicas para populações locais e imigrantes. Não são os trabalhadores imigrantes que querem “invadir” as nossas cidades e campos, é o modelo de crescimento económico e os empresários sedentos de uma oferta de trabalho de baixo custo que os mandam vir e não sobrevivem sem eles.

A deficiente resposta dos serviços públicos na saúde, habitação ou educação e uma alegada instabilidade social é frequentemente associada por alguns ao crescimento da imigração. Os governos optaram por não responder à variação demográfica gerada pela imigração com o correspondente (e obrigatório) aumento da capacidade em áreas críticas. Como de costume, é mais penalizado quem trabalha ou já trabalhou e vive com recursos menores. Ou até intermédios.

Por outro lado, a falência dos serviços de atendimento e regularização da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) alimenta na opinião pública a perceção de caos estimulada pela extrema-direita. O descontentamento é compreensível e tem de ter uma resposta, mas a responsabilidade não é dos imigrantes. 

Segundo relatório da AIMA[i], em 2023 verificou-se um acréscimo da população estrangeira residente de 33,6% face a 2022, perfazendo um total de mais de um milhão de cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência. O jornal “Público”[ii] noticiou que haveria mais de 400 mil pedidos de autorização de residência a aguardar resposta, o que sustenta o número aproximado de 1,5 milhões de imigrantes residentes no país em 2024.

A par do desinvestimento no Estado Social, o rápido crescimento demográfico verificado tem forte impacto social e político. Gerou-se um sentimento de injustiça, explorado ad nauseam pela extrema-direita e com apoios na direita, mas sem contraponto esclarecedor e audível pelas esquerdas. Vejamos, o problema, sendo estrutural, teve desenvolvimentos negativos no período pós-Troika do governo da chamada “geringonça” (PS com apoio parlamentar BE, PCP e PEV).

Como é referido em artigo de Diogo Martins[iii], “durante o período pós-Troika, à medida que se desenvolvia o novo modelo de acumulação [trabalho-intensivo em setores como o turismo, restauração, imobiliário e agricultura], o Governo atribuiu a centralidade da sua estratégia à capacidade de compaginar dois eixos de ação: a reposição de rendimentos, para assinalar o seu corte com o período de cortes salariais e de congelamento do salário mínimo do período de austeridade, e a consolidação orçamental, definindo como objetivo a redução dos déficits e a criação de excedentes orçamentais.”

Esta foi a estratégia do PS, de que a esquerda parlamentar não descolou em devido tempo – consolidação orçamental, criação de excedentes e manutenção da liberalização das relações laborais –, para se legitimar perante o ordoliberalismo da União Europeia.

Diogo Martins prossegue com a afirmação de que “durante vários anos, o Partido Socialista conseguiu navegar esse equilíbrio, articulando a progressiva devolução de rendimentos com a diminuição do défice orçamental e, mais tarde, com o registo de excedentes. Mas esta estratégia, propalada com a propaganda da hora, com sugestões de artes alquímicas operadas pelos vários magos da pasta das Finanças, teve um custo: uma alocação muito insuficiente de recursos nas áreas do Estado Social. O investimento público afundou-se e os gastos públicos nessas áreas cresceram, durante vários anos, abaixo do crescimento económico.”

A junção de um modelo de acumulação que exige grande quantidade de mão-de-obra a custos reduzidos, só possível via imigração, com a incapacidade do seu acolhimento e integração segundo princípios de direitos humanos elementares, via desinvestimento no Estado Social, criou o “caldo de cultura” para a exacerbação de sentimentos primários na reação ao fenómeno.

Se os centros de saúde, hospitais, escolas e transportes, para além da casa para morar, já tinham dificuldade em responder satisfatoriamente às necessidades das áreas metropolitanas e comunidades locais, com o rápido crescimento demográfico ficaram sobrecarregados e agravou-se o sentimento de insegurança e de perda de condições de vida. A escalada especulativa dos preços no imobiliário, com a muito insuficiente oferta de habitação pública, está a infernizar ainda mais a vida de muitas famílias.

Neste quadro, a esquerda não se pode reduzir à visão utilitarista dos imigrantes para a economia e para a sustentabilidade da Segurança Social, nem limitar-se a declarações proclamatórias que, por mais bem-intencionadas que sejam, não respondem aos problemas concretos das populações na saúde, nas escolas, nos valores exorbitantes do imobiliário. Falam de falta de habitação, mas recusam a mobilização pública temporária de milhares de fogos devolutos, em grande parte propriedade de fundos imobiliários especulativos que tratam casas que têm como função social a habitação, conforme o disposto na Lei de Bases da Habitação, como se fossem meros ativos financeiros.

De facto, não são as famílias imigrantes que degradam a qualidade dos serviços públicos nem criam a crise habitacional, é a falta de investimento no Estado Social e a consequente inadaptação à evolução demográfica que beneficia o setor privado e depaupera o acesso à saúde e educação públicas para populações locais e imigrantes. Não são os trabalhadores imigrantes que querem “invadir” as nossas cidades e campos, é o modelo de crescimento económico e os empresários sedentos de uma oferta de trabalho de baixo custo que os mandam vir e não sobrevivem sem eles.

No centro de uma contraofensiva que deve ser sistémica, a esquerda ecossocialista coloca, a par da defesa intransigente dos direitos humanos dos trabalhadores imigrantes e de políticas de regulação sensatas e não persecutórias, o combate à insuficiência estrutural dos serviços públicos e da promoção de habitação pública com valores compatíveis com os rendimentos das famílias. Uma política de esquerda ecossocialista exige legislação que obrigue à adaptação dos serviços públicos aos crescimentos demográficos. Defende aplicação da legislação existente para rápida disponibilização das casas devolutas.  Responsabiliza os promotores do modelo de crescimento económico assente na exploração da mão-de-obra barata, precarizada e com direitos diminuídos, e exige fiscalização dura e regras apertadas. Esses e os governos neoliberais são os verdadeiros responsáveis pela situação que gera injustiça social e cujo único argumento é o da obtenção do lucro, sempre à custa das vidas de gente explorada, como são os imigrantes em geral.


[i] aima.gov.pt/media/pages/documents/92dd0f02ea-1726562672/rma-2023.pdf

[ii] http://www.publico.pt/2025/02/10/publico-brasil/noticia/imigrantes-fazem-economia-portugal-crescer-dobro-uniao-europeia-2024-2121657

[iii] redecossocialista.blog/2024/09/27/as-causas-estruturais-das-insuficiencias-do-estado-social-e-do-impasse-politico-presente/

[*Este texto é parte do artigo publicado na revista ECOSSOCIALISMO #11 com o título AVANÇOS DA DIREITA EXIGEM RESPOSTA E OFENSIVA. Para ler artigo completo solicitar envio da revista através do e-mail: assinaturas.ecossocialismo@gmail.com]

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