O prometido é devido…

por Fernando Matos Rodrigues

Tomo de empréstimo uma das canções do músico portuense Rui Veloso “O prometido é devido” para título desta crónica sobre o resultado das eleições autárquicas para eleger os representantes da cidade do Porto para o próximo mandato 2025-2029.

A cidade nunca assistiu a tantas propostas e a tantos candidatos, uns novos e, outros mais repetentes, todos fazendo juras de amor à cidade. Uns com palavras, outros com promessas, outros trazem o passado como prova dada e outros apontam para o futuro; todos eles com vontade de cumprir, de fazer da cidade uma estrela no céu, todos não querem faltar ao prometido.

Os caminhos propostos não divergem muito entre eles. O PS de Manuel Pizarro apresenta-se como uma continuidade sem ruptura, em relação aos mandatos de Rui Moreira, prova disso é o seu número dois, Fernando Paulo vereador de Rui Moreira e antigo chefe de serviços na Câmara Municipal do Porto a, aparecer a número dois de Pizarro. Um sinal claro de que esta candidatura não quer fazer mudanças nem alternâncias.  Ao apostar também no actual Presidente da União de Freguesias do Centro Histórico Manuel Pizarro dá sinal que vai continuar com as políticas de gentrificação, de tursitificação e de deslocação dos residentes desta área central para as periferias da cidade e da área metropolitana. Manuel Pizarro apresenta uma recauchutagem do Rui Moreira neoliberal, enquanto alternativa e forte potencial de mobilização eleitoral.

Afinal, onde estão as razões do fracasso de Manuel Pizarro? As razões são várias e diversificadas. Umas são de natureza pessoal e intrínsecas ao candidato, remetem para o seu passado político como vereador de habitação na gestão de Rui Moreira, de Ministro da Saúde nos governos de António Costa. Numa e noutra situação Manuel Pizarro não teve mandatos com bom desempenho e a maior parte das vezes, foram mais as vozes críticas do que os seus apoiantes. No pelouro de habitação foi polémico e nem sempre esteve ao lado daqueles que mais precisavam de habitação; ignorou os moradores das ilhas, fazendo promessas que não vieram a concretizar-se. Apresentou o projecto de reabilitação do Bairro São João de Deus como modelo de habitação municipal e, teve que sair de lá com escolta municipal, com os moradores a classificarem as casas reabilitadas como “frigideiras”. O problema maior de Pizarro é o seu passado político. Os portuenses conhecem muito bem o candidato e não nutrem grande simpatia pelo mesmo.

O contexto destas eleições é marcado inicialmente por uma grande diversidade de candidatos à esquerda e à direita do PS e do PSD. Os resultados não vieram a comprovar essa materialidade.

O BE desapareceu do imaginário político portuense, o Livre não se afirmou e o PCP não resistiu como era esperado. O PS não teve concorrência no espectro político pelos partidos de esquerda. Situação que lhe podia ser favorável em termos de resultados eleitorais. O problema é que Pizarro situou-se ao centro direita, desprezando o eleitorado da esquerda social democrata e do socialismo. O seu posicionamento ao centro direita, foi demasiado oportunista e calculista, por um lado colava-se aos mandatos de Rui Moreira, fazendo uma espécie de “opa” de interesses com a integração do atual presidente da União de Freguesias do Centro Histórico e do vereador Fernando Paulo, muito alinhado com a direita católica conservadora e reacionária.

A esquerda alinhou e favoreceu o aparelhismo interno, ignorando os movimentos sociais, as associações de moradores, os colectivos de base experimental e radical. Uma esquerda panfletária que não soube integrar ou reagrupar lideranças, nem instituições de base popular ou cultural. Uma esquerda que tem medo das lideranças e da emergência cívica, que despreza os movimentos autónomos e críticos porque não alinhados pelos diretórios partidários. Uma esquerda só e triste, resignada e alienada, que não consegue avaliar o peso da derrota, nem as causas da sua pulverização social.

O PSD em coligação com o CDS e a IL conseguem aqui um grande resultado. A dispersão na direita era real e prometia dimensão. Filipe Araújo (vice-Presidente de Rui Moreira) como independente e Miguel Corte-Real pelo Chega competem na mesma geografia eleitoral que o PSD/CDS/IL. Mas também aqui, há uma diferença muito significativa, o Chega cresce até à vereação, por outro lado, Filipe Araújo não consegue chegar à vereação, mas tem resultado acima dos 4%. Facilmente verificamos que o PSD e a sua coligação tiveram grande concorrência política no seu espaço geográfico, traduzindo bem a dimensão da vitória da coligação de direita “O Porto Somos Nós”. Contrariamente a Manuel Pizarro, os partidos à direita do PSD crescem e afirmam-se, o que veio a dificultar a vitória a Pedro Duarte. Pizarro teve a vida facilitada, nenhum partido à sua esquerda cresceu, daí que a derrota é única e exclusivamente sua.

Pedro Duarte um ilustre desconhecido da cidade do Porto, sem grande intervenção na cidade coloca o PSD novamente à frente dos destinos da Invicta e Leal Cidade. Claro que já tinha ocupado as cadeiras do poder na Assembleia Municipal do Porto, mas nunca teve grande intervenção nem liderança significativa. O que de certa forma era uma das suas fragilidades em comparação com Manuel Pizarro que já tinha um longo historial de vida politica autárquica no Porto. O facto de Pedro Duarte ter desempenhado funções de ministro no anterior governo de Montenegro ampliou a sua popularidade e visibilidade a nível nacional e, particularmente no Porto. O que lhe deu visibilidade e notoriedade para se lançar nesta corrida autárquica. Mas nada que fosse significativo ao ponto de desequilibrar os pesos com Pizarro.

Na realidade, temos um vencedor, Pedro Duarte; temos um eterno derrotado, Manuel Pizarro. Registamos o fraco resultado do Livre, o desaparecimento do BE com uma derrota sem precedentes e a CDU que não resistiu e perde o único vereador na CMP. Estes resultados já se adivinhavam, tendo em conta os resultados nas últimas eleições nacionais. O mais grave foi o facto das esquerdas não terem feito um balanço critico desses resultados de forma a tirar as devidas conclusões.

O BE fechou-se como um ouriço e, o PCP continuou a viver dentro da sua torre de marfim. Estes partidos ignoraram as disputas internas, fizeram dos conflitos momentos de purga e de purificação, higienizaram as suas elites, mais críticas e incomodativas, promoveram os aparelhos nacionais e distritais. O resultado está aí. As esquerdas foram severamente derrotadas. E agora, Mariana?  E agora, Raimundo?

Com a derrota das esquerdas vamos ter que reforçar a intervenção cívica e cultural, associativa e de base popular e estudantil, capaz de fazer frente a este neoliberalismo que conduz a cidade para uma situação de implosão social e de conflito urbano. Ninguém acredita que estas esquerdas tenham a energia necessária, a pureza política e a honestidade intelectual que lhes faltou, para promover mudanças urgentes e encontrar lideranças novas. Vamos ficar resignados a tentativas de criação de alternativas, a justificações moderadas das suas derrotas, vão aparecer os bodes expiatórios do costume, os mandatos esgotam-se e com eles regressa a desesperança.

Todavia, não podemos continuar a viver num vazio e numa resignação política, é urgente uma alternativa de base participante, integrando todos os sectores e classes sociais. Descobrir e promover a cidade popular, criativa, operária e estudantil que a última governança quis camuflar com a afirmação retórica da cidade burguesa e liberal, que o foi sempre em minoria e sem relevância maior.

Fernando Matos Rodrigues


[artigo publicado originalmente no jornal “Sol”]

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