O ORÇAMENTO DE ESTADO, A CRISE DA HABITAÇÃO, A MONOCULTURA DO TURISMO E O AMBIENTE

Porquê tanto anúncio e depois, de concreto, o que vem certo no Orçamento é a venda a privados de nove imóveis de propriedade pública, prevendo amealhar 1.036 milhões de euros!

Urge dar uma resposta às famílias que precisam de casa e não conseguem pagar as rendas que estão a ser praticadas pelo mercado. É possível fazê-lo, mas não com as medidas do Governo que engana os cidadãos dizendo que vai ser o mercado imobiliário a resolver o problema.

COMUNICADO DA COORDENADORA DA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA DA REDE ECOSSOCIALISTA

O Orçamento de Estado para 2026, em discussão na especialidade, vem embrulhado com várias medidas sobre habitação que, no essencial, volta a colocar nas mãos do mercado as novas habitações que deviam ficar na esfera pública e a preços compatíveis com a maioria dos salários praticados.

Porquê tanto anúncio e depois, de concreto, o que vem certo no Orçamento é a venda a privados de nove imóveis de propriedade pública, prevendo amealhar 1.036 milhões de euros!

Mas que prédios são estes? São prédios gigantescos e em ótimo estado, como por exemplo um em Campo de Ourique, onde era a sede do Governo, outro na Av. João Crisóstomo, onde estava o Ministério da Saúde. São prédios que em pouquíssimo tempo se poderiam readaptar a habitação, pois estão em ótimo estado, com custos incomparavelmente menores do que construir e que poderiam albergar algumas centenas de famílias com rendas acessíveis.

Porque quer o Governo colocá-los para venda? Porque estão no centro de Lisboa, onde a avidez do turismo quer mais instalações hoteleiras, motivando a especulação imobiliária e o aumento da pressão sobre as já degradadas infraestruturas da cidade.

Para tentar iludir o assunto, o Governo fez publicar há dias no Diário da República uma resolução de Conselho de Ministros com um programa para a concessão a privados de imóveis do Estado que se destinarão também a habitação, uma nova PPP (parcerias público-privadas) – edifícios públicos cedidos para que sejam os privados a gerir e a arrendar. Sabemos pela experiência quem sempre fica a lucrar com as PPP, não serão decerto as famílias com rendimentos baixos ou médios que precisam de uma casa.

A monocultura do turismo continua a ser a estratégia dominante, bem demonstrado quando o Governo não proibe os voos entre as 23 horas e as 7 da manhã, como já acontece noutros aeroportos europeus, para permitir uma noite descansada aos habitantes da região de Lisboa e combater o aumento da poluição sobre a Área Metropolitana. Pelo contrário, autorizou que a ANA avançasse com obras na Portela para aumentar a frequência de voos, em vez de exigir a aceleração da transferência que leve ao encerramento da infraestrutura aeroportuária em lisboa.

Esta monocultura do turismo tem expulsado da Área Metropolitana de Lisboa cada vez mais habitantes, que têm de ir para mais longe com todas as consequências nefastas para a vida e para o ambiente.

Para a vida, pois cada vez mais quem trabalha em Lisboa tem de perder horas do seu descanso, do convívio familiar e do seu lazer em horas intermináveis de transportes com aumento do stress que os prolongados movimentos pendulares casa-trabalho-casa provocam.

A consequência para o ambiente é o cada vez maior de número de veículos que aumenta as emissões de CO2 e o consumo de combustível fóssil. De facto, o que mais ataca a qualidade do ar nas grandes metrópoles são os transportes, sejam privados ou coletivos, responsáveis por cerca de 65% das emissões poluentes.

Ou seja, o Governo prefere, em prejuízo das pessoas e do ambiente, aumentar a nova construção, que demora anos e a que só alguns conseguem chegar, em vez de recuperar os edifícios que já lhe pertencem aumentando decididamente o parque habitacional a curto prazo e com rendas acessíveis. Entretanto, nenhuma medida séria é avançada para mobilizar os milhares de fogos devolutos, em grande parte na posse dos fundos imobiliários especulativos, disponibilizando-os de imediato para suprir as graves carências habitacionais existentes.

Urge dar uma resposta às famílias que precisam de casa e não conseguem pagar as rendas que estão a ser praticadas pelo mercado. É possível fazê-lo, mas não com as medidas do Governo que engana os cidadãos dizendo que vai ser o mercado imobiliário a resolver o problema. Urge retirar a quantidade de carros das cidades aumentando e melhorando a oferta de transportes públicos, tornando o passe social completamente gratuito para a Área Metropolitana, criando parques de estacionamento gratuitos, desde que se tenha o passe social, com segurança, junto dos transportes públicos para incentivar os carros a não entrarem nas cidades. Urge um plano económico metropolitano sustentado e participado que encaminhe o território para um conjunto de alternativas à monocultura do turismo, diversifique e modernize a estrutura económica.

Um Orçamento de Estado para 2026 que não enfrenta estes problemas e não avança com soluções que tragam uma nova vida às pessoas e às cidades, serve para quê? Apenas para mais do mesmo e ao serviço dos poderosos que sempre têm sido os beneficiados.

Reclamamos:

– Afetação do edificado público para habitação pública. Nem mais uma venda ou entrega a privados de edifícios do Estado ou dos municípios;

– Abolição do IMI para habitação própria permanente (1ª habitação);

– Fim da abolição de IMI e dos restantes benefícios fiscais para os fundos imobiliários;

– A habitação é um direito constitucional – as rendas têm de ser limitadas de 25% a 30 % do rendimento familiar;

– Municipalização dos solos urbanos, com fixação de quotas para construção de habitação pública com rendas controladas e de equipamentos públicos.

A Coordenadora da Área Metropolitana de Lisboa da associação “Rede Ecossocialista”

Out.2025

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