Zohran ganha Nova Iorque pela esquerda

Zohran Mamdani, membro dos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA), candidato em defesa de um programa “Cidade para todos” em confronto com os conservadores da ultra-direita e com o establishment do Partido Democrático, foi o vencedor das eleições para a Câmara de Nova Iorque, realizadas ontem, dia 4 de novembro. Como foi possível, em plena era trumpista, alcançar esta extraordinária vitória com maioria absoluta, mantendo-se fiel a seu projeto antineoliberal e pós-capitalista, traduzindo-o, ao mesmo tempo, numa agenda de políticas compreensíveis pelas maiorias e que apontam para uma transformação do quotidiano da população? De que forma a sua vitória estabelecerá um confronto com Trump e o que isso significará para quem luta noutras partes do planeta?

Mamdani propõe uma “cidade para todos”. Diferente de muitos democratas que acham ser suficiente no atual contexto simplesmente ser contra Trump e a extrema-direita, o candidato abordou questões concretas, orientadas a partir do seu posicionamento à esquerda. Em junho, a co-presidenta do Partido Socialista Democrático da América (DSA) de Nova York, Grace Mausser, já apontava que três Ms eram fundamentais na empreitada do candidato: mensagem, meio e movimento, com três propostas principais. “Transportes rápidos e gratuitos, congelamento das rendas, creches gratuitas. É tão fácil de lembrar. As pessoas sabem disso, e é repetido inúmeras vezes”, conforme é referido no jornal digital “Outras Palavras

“Quando começámos, sabíamos que o caminho para a vitória era estreito”, pontuou Grace, em entrevista ao The Guardian. “Não disputamos eleições por razões puramente morais ou para defender um ponto, como o Partido Verde nos EUA, que fracassou no seu projeto.” Essa estratégia foi fundamental para combater o que ela chama de “guerra cultural”, projetada para forçar a esquerda a adotar uma postura defensiva, pautada por temas de extrema direita.

A utilização de plataformas sociais é fundamental também por se tratar, habitualmente, de um território hostil à esquerda, considerando os algoritmos que costumam favorecer discursos de ódio típicos da extrema-direita. “Quando você olha para políticos como Trump, Bolsonaro ou Milei, ou os políticos de direita na Europa, é difícil negar a conexão entre política populista e plataformas. As tensões entre liberdade de expressão, extremismo, propaganda e polarização não vão desaparecer, mas a campanha de Mamdani mostra como as redes sociais podem ser usadas de forma diferente, e há evidências de que outros do campo progressista estão a seguir o exemplo”, observa em entrevista ao “Outras Palavras“, a investigadora em Política e Educação Cívica Digital do Laboratório de Discurso Digital da University College London, Emma Connolly.

Esta combinação de fatores, envolvendo o apelo a questões que fazem diferença na vida das pessoas sem tergiversar sobre a sua orientação ideológica, o uso inteligente das redes sociais sem abrir mão da presença nas ruas e o enfrentamento de questões que poderiam ser divisórias ou incómodas, fazem de Mamdani não apenas o futuro prefeito de Nova York, mas também uma referência para uma esquerda que precisa de superar o temor da “onda da direita” que tem justificado maus resultados. O campo progressista, em todo o mundo, já volta os olhos para a experiência novaiorquina e espera pelo resultado de um governo que pode indicar uma saída pela esquerda num panorama político pautado por extremistas de direita.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.