A presidência brasileira não conseguiu aprovar um acordo ambicioso ou lançar um roteiro para o fim do abandono dos combustíveis fósseis. A criação do Mecanismo de Belém para a Transição Justa, cuja operação ainda não foi finalizada, é a única conquista da reunião.
por Pablo Rivas ( Coordenador de Clima e Meio Ambiente em El Salto. @pablorcebo.bsky.social, pablo.rivas@elsaltodiario.com)

Às vezes, a própria realidade se torna uma metáfora em si mesma, e foi exatamente isso que aconteceu no penúltimo dia da 30ª Cúpula das Nações Unidas sobre o Clima (COP30), no meio do turbilhão do acordo final: um incêndio devorou parte do recinto da zona azul – a área destinada às delegações oficiais, e forçou a interrupção das negociações. Não houve feridos, embora as consequências do que finalmente foi acordado em Belém – não há dúvida razoável quanto a isso – possam causar esses ferimentos, agravados pela ausência de grandes emissores de gases de efeito estufa, como os Estados Unidos presentes no evento.
A COP30 estava programada para ser uma reunião importante. Não apenas por causa dos aniversários que estavam sendo celebrados – dez anos desde o Acordo de Paris, vinte anos desde a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, 80 anos desde a criação da ONU – mas também pela urgência do momento. Um planeta enfurecido por fenómenos extremos que já está excedendo o limite que as nações se impuseram em 2015 – não ultrapassando a fronteira de 1,5ºC de aquecimento global médio em comparação com os níveis pré-industriais – impunha urgência.
Não foi assim. A declaração política final da Cúpula e seus textos circundantes, embora incluam alguns avanços pouco concretos, como a implementação do Mecanismo de Belém para a Transição Justa, fica muito aquém das expectativas de uma presidência brasileira que havia elevado muito mais o padrão, mas que foi travada por uma união de países produtores de petróleo a favor de atrasar – senão torpedear – a luta contra a crise climática.
Sem um roteiro para o fim dos combustíveis ou um plano concreto para parar o desmatamento – as duas apostas iniciais da presidência – o acordo final, apesar de ter sido assinado pelos participantes, representa um triunfo das posições mais retrógradas
A principal falha é que o compromisso da presidência com a mitigação falhou e não há menção ao roteiro divulgado para o fim dos combustíveis fósseis, algo que apareceu no primeiro rascunho do texto final apresentado na terça-feira, dia 18. No segundo, publicado nas primeiras horas de sexta-feira, o dia oficial do fim da COP, o roteiro mencionado desapareceu, assim como qualquer menção aos combustíveis fósseis, algo que havia sido alcançado pela primeira vez na COP28 em Dubai, há dois anos. Também não havia compromisso com outro dos objetivos de Lula da Silva: aumentar a luta contra o desmatamento para preservar os grandes sumidouros de carbono do planeta.
Diante de um fracasso total e falta de progresso, e menos de 24 horas antes do fim da COP, 37 países – incluindo a Espanha – mobilizaram-se para restaurar “o equilíbrio, a ambição e a credibilidade do processo”, conforme indicado numa carta enviada pelo governo espanhol à presidência da COP. A queixa, que refletia o sentimento geral, rejeitou o último rascunho apresentado antes do texto oficial por não atender “às condições mínimas exigidas para um resultado crível da COP”. A vice-presidente espanhola Sara Aagesen participou na sexta-feira de uma conferência de imprensa conjunta de vários países promovida pela Colômbia – um país que anunciou uma conferência paralela à Cúpula das Nações Unidas sobre o Clima para procurar o fim dos combustíveis fósseis – com o objetivo de pressionar por maior ambição. “Não é suficiente”, disse ele sobre a mensagem. “Viemos com um objetivo claro: não ultrapassar o limite de 1,5ºC”, acrescentou, enquanto apontava que “temos que trabalhar e temos tempo para melhorar.”
No mesmo sentido, as organizações ambientais rejeitaram a proposta em bloco. “O texto é um empurrão clássico”, disse Javier Andaluz, chefe de Energia e Clima da Ecologistas en Acción, de Belém. “Não aumenta a ambição nem protege as florestas nem aumenta o financiamento climático necessário. Este não é o Mutirão que nos prometeram”, acrescentou Eva Saldaña, diretora executiva do Greenpeace Espanha, referindo-se à palavra que em guarani-tupi significa “esforço coletivo” e que Lula da Silva usou para se referir ao texto final de Belém.
Andaluz também denunciou a forma como a presidência foi conduzida durante o decorrer da reunião. “As negociações foram as mais sombrias da história”, disse ele sobre a publicação dos rascunhos de acordos, “com uma presidência brasileira que não reportou externamente por meio de textos para serem avaliados por organizações da sociedade civil e pela imprensa presente na COP30.”
A tensão subiu a um nível ainda maior neste sábado, no prolongamento de uma COP que deveria ser encerrada na sexta-feira, com a última tentativa da presidência brasileira de alcançar um acordo que, embora pretendesse que a Cúpula não fosse encerrada sem um texto assinado pelos participantes, deu o braço a torcer o braço às nações mais avessas ao abandono do petróleo, gás e carvão. Diante da enésima indignação após 30 anos de cúpulas climáticas, Colômbia e Panamá vetaram o texto cujo apoio a presidência pretendia forçar. O primeiro fez isso por falta de menção específica às causas da crise climática: os combustíveis fósseis. A segunda se deve à falta de coerência nos indicadores acordados para medir o progresso na adaptação às mudanças climáticas, uma visão compartilhada por vários países.
Países petrolíferos como Arábia Saudita e Rússia, juntamente com países em desenvolvimento com ideias semelhantes, como o grupo LMDC (Países em Desenvolvimento com Ideias Semelhantes), uma coligação de nações para negociações climáticas cujos membros incluem China, Argélia, Egito, Paquistão, Índia, Irão e Venezuela, não cederam, e a COP que prometia mudar a política climática dos últimos anos termina com um fracasso retumbante.
O que começa mal, termina mal
A Cúpula já começou mal. Inicialmente concebida como uma COP focada na mitigação e expansão da ambição climática – ou seja, determinada a aumentar os percentuais de descarbonização global – não tinha o compromisso e a seriedade necessária dos países do planeta, já que a maioria não apresentou os seus planos nacionais de descarbonização a tempo. Até mesmo a União Europeia, até recentemente o farol dentro do progresso limitado das COPs, falhou. Embora esses planos, conhecidos como Contribuições Determinadas Nacionalmente (NDCs), deveriam estar prontos meses antes da Cúpula do Clima, apenas 79, um terço dos signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), os submeteram à COP, o que não permitiu à comunidade científica fazer um bom trabalho de análise e síntese para o seu trabalho na Cúpula.
1.600 delegados oficiais participantes das COPs têm ligações diretas com a indústria do petróleo, o que dá uma ideia do poder do lobby dos fósseis na reunião
Embora durante as duas semanas da Cúpula o número tenha subido para 118 (representando 73% das emissões globais), o trabalho de mitigação da crise climática foi gravemente afetado, e a falha em implementar o roteiro para o fim dos combustíveis fósseis certificou o que não parecia bom desde o início. “As metas de redução de emissões estão longe das necessárias e esses textos não ajudam a reduzir a lacuna de ambição de 1,5ºC nem a incentivar os países a agir”, lamentou Eva Saldaña, da Greenpeace.
O que pareceu ser um bom impulso inicial foram as palavras do presidente anfitrião, Luiz Inácio Lula da Silva, e o gesto inicial da presidência brasileira. Este último estava determinado a mudar o rumo das últimas cúpulas climáticas, realizadas em países produtores de petróleo e com poucos amigos da sociedade civil organizada, e conseguiu encerrar a agenda da cúpula no primeiro dia, algo sem precedentes. Também promoveu a presença de populações indígenas e povos nativos com a COP30 Village, e apoiou a presença de movimentos sociais e da sociedade civil numa Cúpula do Povo que, embora não tenha tido tapete vermelho para entrar na zona azul das negociações, desfrutou da primeira COP sem repressão desde a realizada em Glasgow em 2021.
Mas os obstáculos de uma comunidade internacional que não quis encarar o problema de frente puseram fim às aspirações do Rio de Janeiro. Deve-se lembrar que 1.600 delegados oficiais participantes das COPs têm ligações diretas com a indústria do petróleo, conforme denunciado pela coligação Kick Big Polluters Out (KBPO), que dá uma ideia do poder do lobby energético que causa a crise climática nas Cúpulas do Clima.
O Mecanismo de Ação de Belém (BAM), ou Mecanismo de Belém para a Transição Justa, parece ser a principal conquista que Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu alcançar. É um instrumento para facilitar e promover uma transição energética nos países do Sul, fornecendo tecnologia e financiamento a países com menos recursos, sem compensação na forma de dívida, e eliminando obstáculos como possíveis demandas de investidores, falta de fundos ou disputas de fronteira.
O financiamento climático, especialmente aquele dedicado à adaptação e mitigação das mudanças climáticas nos países do Sul global, tem sido outro dos grandes perdedores
Os movimentos ambientais celebraram a notícia. “É essencial combinar a redução das emissões com o financiamento necessário”, disse Javier Andaluz. No entanto, esse ativista e especialista em negociações climáticas lamentou que “o texto apenas aprove o mecanismo sem lhe conferir características, funções ou propósito”. Isso significa que será em reuniões subsequentes que assumirá a forma de uma nova desaceleração nos processos relacionados ao alívio da crise climática e seus impactos. Para que isso tenha terminado assim, o bloqueio do BAM pela UE foi fundamental, que não viu o novo mecanismo com bons olhos. “Isso impediu a definição de um mandato mais claro para o mecanismo, para que pudesse iniciar seu trabalho imediatamente; pelo menos mais dois anos de diálogo serão necessários para que isso seja possível”, denuncia a Aliança pelo Clima, o maior conjunto de organizações a favor da luta pelo clima na Espanha.
Apesar do fato de que o BAM implica algo nesse sentido – que teremos que esperar para ver como se concretiza – o financiamento climático, especialmente aquele dedicado à adaptação e mitigação das mudanças climáticas nos países do Sul global, tem sido outro dos grandes perdedores, como as organizações da Cúpula do Povo já vinham alertando durante toda a semana. Se em Baku o acordo mínimo alcançado estava longe das necessidades reais – com apenas 300.000 milhões de dólares de fundos públicos comprometidos para 2035 e uma proposta não especificada para adicionar 1,3 trilhão por meio de financiamento privado que foi um brinde ao sol, longe dos 10 trilhões estimados necessários – o grupo dedicado a discutir a chamada folha da ronda de Baku a Belém (B2B) para aumentar esse financiamento não conseguiu muito progresso concreto. O texto pede que as Partes tripliquem o financiamento da adaptação climática do Sul global nos próximos dez anos, o que representa um retrocesso em relação ao primeiro rascunho apresentado, que falava de 2030 e não de 2035.
No entanto, sem um roteiro para o fim dos combustíveis fósseis ou um plano concreto para deter o desmatamento – as duas apostas iniciais da presidência – o acordo final, apesar de ter sido assinado pelos participantes, representa um triunfo para as posições mais atrasadas e uma falha em agir para conter as mudanças climáticas. Como Luca Bergamaschi, cofundador do think tank italiano Ecco Climate, apontou após o fim da reunião, “esta tem sido a COP das duras verdades: a ação climática multilateral ainda está viva, mas num ritmo lento demais para fechar a lacuna em direção à segurança climática”.

