INTERVENÇÃO DA MOÇÃO E NO ENCERRAMENTO DO DEBATE

Por Carlos Matias, na XIII Convenção Nacional

Desta Convenção, o Bloco tem de sair armado para os desafios que hoje enfrentam os trabalhadores e o povo português. Um povo fustigado pelas políticas da maioria absoluta do PS, ditadas pela finança nacional e internacional.

A pobreza e a degradação do poder de compra, a precariedade laboral, a degradação de serviços públicos, as mais diversas descriminações, a degradação ambiental e a ameaça da guerra são a outra face das contas certas, do alinhamento servil com a finança europeia, com a subserviência com os “mercados”, com os Estados Unidos e com a NATO.

Enfrentamos adversários muito poderosos, apostados na exploração de todas as fragilidades do campo popular e não sejamos ingénuos – apostados na exploração dos nossos erros.

Essa é a razão por que, na Moção E, não fugimos ao balanço das nossas sucessivas derrotas eleitorais. Para escolher outro rumo, que nos traga vitórias e não por mórbido comprazimento de reconhecer que falhámos quando, há tempos, aqui foi dito “Estamos prontos!”. Só enfrentando esse balanço, sem lamentações estéreis, mas com seriedade, daremos confiança ao coletivo partidário.

Não menosprezamos as dificuldades das conjunturas, mas, para a Moção E, foram erradas as campanhas centradas na proposta de renovação de acordos com o PS, na reiterada afirmação do mérito das “contas certas” e no esbatimento da intervenção do Bloco, no terreno da luta laboral e social.

Há que reafirmar uma linha autónoma que reponha a radicalidade no discurso, nas propostas e na intervenção social, em vez de um eleitoralismo marcado pela superficialidade e pelos soundbytes, geridos em função da possibilidade de entendimentos parlamentares com incidências governativas.

Não menosprezamos a atividade parlamentar. Mas, ao colocar o Parlamento no centro da iniciativa política e da vida partidária, o Bloco foi progressivamente deixando de “correr por fora”. Essa opção retirou força e coerência à nossa intervenção.

Se o não reconhecermos, amanhã estaremos a ir pelo mesmo caminho, com os mesmos desastrosos resultados.

A geringonça foi uma boa solução, ajustada a um tempo preciso.

Mas, hoje, temos de desentranhar deste partido o geringoncismo e retomar o “correr por fora” e “correr por dentro”, inscritos na nossa original marca identitária.

Está em marcha no nosso país e na União Europeia a guerra social, uma ofensiva de destruição de direitos e redução de salários, de precarização do trabalho, de degradação de serviços públicos, de recuo em relação às metas climáticas e da produção de energia a partir de fontes fósseis. A guerra da Ucrânia deu novo impulso e cobertura justificativa a estes ataques.

Rejeitamos com veemência a criminosa agressão da Rússia contra a Ucrânia e exigimos a todas as potências envolvidas que, em vez de alimentarem a guerra, cessem imediatamente os combates e avancem para negociações de paz.

Condenamos a Federação Russa pela criminosa invasão da Ucrânia e não temos qualquer dúvida sobre o papel agressivo dos EUA e da NATO. Queremos Putin fora da Ucrânia e a NATO fora da Europa. Nem mais, nem menos.

Sim, nós somos solidários com o povo ucraniano, nomeadamente com os presos políticos ucranianos e não esquecemos os que foram mortos das várias esquerdas com a cumplicidade do atual presidente da assembleia ucraniana.

As afirmações aqui proferidas de que a Moção E defenderia a entrega de território ucraniano à Rússia são falsas e, por isso, lamentáveis, não passam de fumaça retórica para fugir ao essencial. Defendemos negociações para a paz e a autodeterminação dos povos. Repetimos: referências genéricas aos “imperialismos” apenas obliteram o papel hegemónico dos EUA e da NATO.  

Também se disse aqui que não é por se ser hostil aos Estados Unidos que Putin deixa de ser imperialista. Claro que não!

Curiosamente, na mesma hora, não ouvimos aqui a afirmação contrária: Que não é por se ser hostil aos Russos que os Estados Unidos deixam de ser imperialistas. E seria tão simples dizê-lo, porque de facto são imperialistas.

Mas agora perguntamos nós: – Qual o objetivo de colocar em pé de igualdade todas as potências emergentes, esses tais “imperialismos” de forma indistinta – todos maus, é certo – com a mais poderosa máquina de guerra deste planeta, a dos Estados Unidos e da NATO!

Só conseguimos vislumbrar um objetivo: – Justificar o injustificável, o inadmissível alinhamento com a posição do governo português sobre a guerra na Ucrânia, que é a mesma dos EUA e da NATO!…

Na Moção E, rejeitamos silenciar a nossa oposição à guerra e a defesa da paz; apoiamos as declarações do presidente Lula da Silva e seria importante a direção do Bloco não hesitar sobre esse apoio.

Não nos verão calados e em salamaleques perante assassinos de militantes de esquerda e de sindicalistas ucranianos; não temos ilusões sobre o papel dos Estados europeus, claramente subservientes ao Estados Unidos; não nos verão empolgados pela escalada armamentista, em nome de uma suposta defesa da “pátria”. Somos contra o envolvimento de Portugal na guerra.

Diz o camarada José Gusmão que só indo à Ucrânia é que reconhecíamos as instituições ucranianas. Então, porquê em tempos não fomos à China porque denunciamos os atropelos aos Direitos Humanos sem deixar por isso de sermos solidários com as lutas do povo chinês?

Sim, as instituições não estão acima da política.

Portanto insistimos: afinal, nestas circunstâncias o que fomos fazer à Ucrânia?

O combate à maioria absoluta do PS faz-se essencialmente nas lutas sociais, numa “oposição frontal”, para usar as palavras do camarada Fernando Rosas. E por objetivos precisos, sem divagações sobre a “vida boa”.

Nas condições laborais, impõe-se a luta contra a precariedade, por salários e reformas justas, pela redução do horário de trabalho para as 35 horas sem perdas salariais, pela defesa dos direitos dos imigrantes e da negociação e contratação coletiva que afaste a sua caducidade.

No direito à Habitação, exige-se uma política pública que não esteja dependente do mercado; tetos nas rendas, fim dos despejos sem alternativa e garantia de que os milhares de fogos devolutos detidos pelos fundos de investimento mobiliário serão mobilizados pelo Estado, a curto prazo, para serem disponibilizados com rendas acessíveis.

Na Educação, aumento do investimento público, com redução do número de estudantes por turma, criação de instrumentos para a qualificação e dignificação do corpo docente e não docente, com a contagem de todo o tempo de serviço dos professores.

Na Saúde, garantir um SNS forte, com médicos de família para todas as pessoas, carreiras profissionais dignas e o fim da promiscuidade com o privado. Reconhecimento dos cuidadores informais.

No Ambiente, combate aos interesses mercantis dos lobbies, com a criação de uma agência pública para a transição energética que apresse a política de carbono zero, promova a investigação nas alternativas limpas e garanta o não adiamento da redução na utilização de combustíveis fósseis.

Este programa exige a mobilização de amplos recursos financeiros. É verdade. Defendemos que se vá buscar dinheiro aos lucros obscenos dos grandes grupos financeiros e económicos e que se ataque a sério a corrupção.

Estes são compromissos políticos concretos. Não são declarações vagas e genéricas.

Mas é preciso ir mais longe e colocar em cima da mesa a renegociação da dívida externa uma antiga e boa bandeira do Bloco que tende a cair, substituída ou por uma inócua exigência de “reestruturação da dívida” – como escrito na Moção A –, ou por um inócuo “questionar da dívida”, na versão ontem aqui trazida pelo camarada Luís Fazenda. Num e noutro caso a dívida é implicitamente aceite, sendo que – para a Moção E – ela é injusta e impagável.

Uma abstenção superior a 80% na eleição de delegados para esta Convenção deveria fazer soar todos os alarmes e moderar os discursos triunfalistas. O partido vem sendo corroído por uma orientação política errada e por práticas grupistas e sectárias. Daí as desistências de muitos camaradas, o desânimo de muitos outros, a fragilidade e inoperância de muitas estruturas.

Temos de enfrentar esta realidade, sem otimismos acríticos e irresponsáveis.

Na Moção E, entendemos que a força e vitalidade do Bloco assenta na ação de massas, com a identidade que a luta pelo socialismo nos nossos tempos lhe confere, virado para a construção de soluções unitárias, abrangentes e anti sectárias. Um Bloco com forte enraizamento na ação local e sem bloqueios à constituição de novos núcleos, como está a acontecer. Um Bloco assente em assembleias de debate e núcleos de ativismo. Com uma prática interna de democracia radical, revertendo a progressiva erosão da democracia interna, na prática e nos Estatutos, como ontem infelizmente aqui se comprovou. Um Bloco que valoriza a pluralidade e os múltiplos contributos de todas/os, sem exclusões internas nem perseguições, pois todas/os que militam nesta esquerda fazem falta.

Só poderemos contribuir para a unidade da esquerda e dos trabalhadores – daqui tão reclamada – se cá dentro também tivermos um partido unido na sua pluralidade.

E esse é o Bloco de que precisam os trabalhadores e o povo deste país. Cá estamos, na Moção E, para o defender, com todos e todas os que queiram juntar-se neste empreendimento tão difícil, mas o único que nos perspetiva um bom futuro.

Carlos Matias

Um pensamento sobre “INTERVENÇÃO DA MOÇÃO E NO ENCERRAMENTO DO DEBATE

  1. Concordo quase inteiramente com a excelente intervenção do camarada Carlos Matias, mas há um senão. Se é verdade (e é) tudo o que disse, não se consegue compreender bem como ainda continua a lutar no interior de um partido que tem feito exactamente o oposto. Está mais do que evidente que a direcção não pretende aprofundar nenhum debate interno, não permite veleidades a quem desalinha e quer manter tudo como está por entender que está bem assim. Continuar a colaborar com esse estado de coisas é pura perda de tempo, e tempo é o que nos vai faltando. Então quando vamos assumir os factos e dar um murro na mesa????

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