As grandes cidades francesas estão a viver um verdadeiro caos. A revolta dos agricultores está a bloquear dezenas de autoestradas, os acessos à capital, Paris, e a outros centros urbanos do norte e sul do país. A circulação internacional de mercadorias também está a ser afetada. Em Portugal, os agricultores começaram os protestos. O Movimento Civil de Agricultores está a mobilizar agricultores da Beira Interior, bloqueou com tratores um troço da A 25 e emitiu um comunicado em defesa da alimentação adequada e a reivindicar condições justas e valorização da atividade. A mobilização está a alargar-se a outras regiões.
Afinal, por que lutam os agricultores? Uma das faixas colocadas num trator participante nos protestos às portas de Paris dizia “O nosso fim será a vossa fome”. O alerta interpela quem supõe que os alimentos brotam das prateleiras dos supermercados. Certamente distraídos com a intensidade da vida urbana, muitos nem se dão conta que são os agricultores que produzem o que se come todos os dias.
As medidas que estão a afetar os produtores agrícolas, os pequenos e médios, porque os do grande agronegócio são os que mais captam os subsídios da PAC (Política Agrícola Comum), estão a gerar mal-estar no sector por toda a Europa. Os protestos começaram na Alemanha pelos cortes no “gasóleo verde” e já se prolongaram para a Polónia, Bélgica, Hungria, Espanha, Países Baixos e, em Portugal, a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) já emitiu comunicado que denuncia os cortes nas ajudas da PAC e as “perdas brutais na Agricultura Biológica e na Produção Integrada com o valor da ajuda a ser reduzido em 35% e 25%, respetivamente”, somando-se no próximo ano “os cortes nas áreas baldias elegíveis para pastoreio”.
Na verdade, a crise agrícola decorre, não por via dos ambientalistas ou de políticas ambientais como alguns querem fazer crer, mas pela busca inexorável por um mercado globalizado que incentiva a importação de produtos a preços mais baixos, aproveitando a mão-de-obra quase escrava na origem, despreza o meio ambiente, os equilíbrios biológicos, os circuitos curtos de produção e comercialização. Este processo de globalização – como é o caso do acordo UE – Mercosul fortemente contestado por agricultores e ambientalistas – está a liberalizar a circulação de produtos e a permitir que carne e hortofrutícolas produzidas a milhares de quilómetros sejam importadas pelas grandes cadeias de distribuição alimentar com o objetivo de aumentar os seus lucros sempre crescentes.
Há, claramente, uma opção da Comissão Europeia pelo esmagamento dos pequenos e médios produtores e da agricultura familiar, que joga a favor dos grandes complexos agroindustriais e do import/export, com utilização de novos transgénicos, de agrotóxicos, de enormes máquinas agrícolas grandes consumidoras de gasóleo, e das grandes explorações dedicadas às monoculturas de exportação.
Nada que aumente o rendimento agrícola da esmagadora maioria do tecido produtivo, nada que incentive a instalação de jovens agricultores, nada que responda a questões ecológicas, nada que proteja o direito das pessoas a uma alimentação adequada e tudo a favor da dependência alimentar, de alimentos produzidos de forma industrial, com elevadas produtividades à custa da grande utilização de químicos e fitofármacos, de aumento da pegada carbónica no transporte de produtos a grandes distâncias. A PAC, a coberto de pretensas medidas ambientais, está a promover o agronegócio, a incentivar o abandono da atividade pelos pequenos e médios promotores e a inviabilizar a agricultura familiar. Isto significa uma política de concentração da produção e de concentração da propriedade da terra. Isto não é, de facto, uma política ambiental que enfrente a crise climática.
É tempo de repensar a agricultura à luz dos desafios atuais, tanto da saúde pública, como do clima, da biodiversidade, da preservação dos solos e da água e, não menos importante, das comunidades de pequenos e médios produtores agrícolas. Trata-se de uma obrigação de todos, com particular responsabilidade para os poderes públicos que frequentemente se esquecem dos territórios rurais e de minifúndio, onde predomina a agricultura familiar, e se colocam ao lado dos vorazes interesses do mercado.


Há cerca de 400 agricultores com menos de 60 anos em Portugal, dados oficiais, acho que isto merecia uma reflecção por parte da nossa Esquerda, que muitas vezes parece estar contra a agricultura, o mundo rural e a produção em geral.
Saudações.
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