Após 30 anos do encerramento das minas do Pejão ironicamente o carvão ganha redobrado alento nas políticas ultraliberais e negacionistas

por José Carlos Lopes

As noticias na imprensa daquele dia frio e chuvoso (29 de Dezembro de 1994), em que era anunciado o encerramento das minas do Pejão, não tendo sido uma surpresa para os trabalhadores mineiros, na sequência das politicas de um governo fiel executante das orientações da União Europeia (UE), na altura tendo como primeiro-ministro Cavaco Silva, e das imposições da Confederação Europeia do Carvão e do Aço (CECA), acabou por desencadear revolta nos mineiros e uma luta que se prolongou durante quase um mês na defesa de reivindicações que contemplassem as especificidades do seu trabalho de desgaste rápido, no que se refere às indemnizações e ao acesso às reformas antecipadas, bem como alternativas de emprego numa região, então de poucas ofertas e difíceis acessibilidades.

Uma luta travada com o governo que tinha decretado em outubro de 1990 o encerramento das minas do Pejão, cuja história remonta a 1859 em que foi reconhecida a existência de uma mina de carvão situada no Monte das Cavadinhas, no Pejão, e após trabalhos de prospeção, pesquisa e exploração subterrânea, seria explorada entre 1908 e 1917 pela Companhia Portuguesa de Carvão e pela Anglo – Portuguesa Colliers, Lda. A partir de 1917 a exploração do couto mineiro do Pejão, constituído pelas minas do Choupelo, Fojo e Germunde (esta a mais rentável), como um dos maiores complexos de extração mineira do país, foi assumida a sua concessão pela Empresa Carbonífera do Douro (ECD), a quem coube concretizar os planos do governo para o fim da extração do carvão, resultando na redução de trabalhadores, em que dos 1100 que a mina tinha em 1990, restavam nesta altura apenas 500 para despedir, mesmo com o recurso aos mecanismo por mútuo acordo, sem garantias de adequadas e justas compensações às várias gerações de mineiros e aos vários anos de vida deixados no fundo na mina em que vários mineiros morreram vítimas de acidentes.

Tais notícias daquele final de ano, 1994, que se prolongariam em 1995, adiantavam já como alternativa ao encerramento das minas do Pejão, um projeto de reconversão das instalações da ECD, que seriam transformadas num complexo turístico e desportivo com capacidade inicial de 180 camas, o que no essencial ficou no papel, nomeadamente na criação de postos de trabalhos para atenuar a inevitável crise social originada pelo fim da atividade mineira. Fatores que acabaram por ser mote para uma certa espontaneidade da indignação e luta dos mineiros, que viria a assinalar os festejos desse fim de ano e ano novo, como grito de revolta contra injustiças laborais, que fez despertar para direitos e reivindicações que não estavam devidamente salvaguardados no processo de encerramento das minas do Pejão em Germunde.

As razões ambientais eram também apresentadas como pressupostos para a decisão do governo segundo orientações da Comunidade Europeia, quando a central da Tapada do Outeiro em Gondomar, a que se destinava grande parte do carvão extraído no Couto mineiro do Pejão, aguardava o avanço de um projeto para a sua adaptação ao gás natural, substituindo o carvão na produção de energia, o que ainda não tinha sido concretizado na altura do encerramento das minas do Pejão. Atraso na transição que implicou a importação de carvão por parte da EDP na sequência do fim da extração do carvão decretado no país. Medida que igualmente fez aumentar a revolta dos mineiros.

Uma luta por direitos laborais em que o ambiente estava subjacente

Pressupostos e argumentos ambientais que estavam igualmente subjacentes nesta luta por direitos laborais dignos, que vêm despertando consciências e sensibilizando para as consequências das alterações climáticas, como o aquecimento global que urge ser travado. Uma batalha a exigir o envolvimento da humanidade a exemplo dos movimentos pelo clima, e de urgentes opções corajosas dos governantes e decisores políticos, que contrariem o ritmo alucinante de poluição e fragilidade ambiental, apostando em alternativas ao fóssil através de energias renováveis. Causa que os interesses económicos sobrepostos ao bem-estar das populações e da biodiversidade, está cada vez mais posta em causa, tal a corrida de diferentes governantes, com a fundamentalista opção de ultraliberais e negacionistas, que se propõem explorar os combustíveis fósseis que o Planeta, porque não há Planeta B, volta a defrontar, seja por efeito das guerras e os recursos para as suportar financeira e ambientalmente, ou a intensificação de políticas de retrocesso ambiental que resultam das ameaças de governantes como Donald Trump que volta a retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o Clima.

A decisão de encerramento das Minas do Pejão, empresa que assumia papel fundamental do ponto de vista social, económico e cultural na região entre as margens do Rio Douro, foi ainda mais difícil de aceitar para os mais de 300 trabalhadores mineiros e outros profissionais da ECD, sujeitos no imediato ao despedimento, enquanto sobre um menor número de trabalhadores dos vários setores da empresa, igualmente vítimas de tais medidas para o fim da extração de carvão, veriam o seu futuro adiado, continuando ao serviço para garantirem nesta fase final, aspetos técnicos de manutenção, como a segurança ambiental, evitando focos de poluição que resultariam da inundação dos poços das minas pelas águas do Douro. Uma ameaça que chegou a pairar como “braço de ferro”, de quem pouco mais tinha a perder durante esta luta, na ausência de justa satisfação das principais reivindicações dos mineiros.

Foi assim perante um previsível cenário de crise económica e social na região, que já se vinha manifestando com a redução de postos de trabalho no inicio dos anos 90, nomeadamente no concelho de Castelo de Paiva, que os trabalhadores e mineiros da ECD assumiram naquele dia 29 de dezembro, cortarem a Estrada Nacional n.º 222 em Pedorido, que liga Castelo de Paiva a Santa Maria da Feira com o apoio e solidariedade de ex-mineiros, famílias e populações, contra este ataque aos postos de trabalho e a direitos dignos para quem passou vários anos a descer ao fundos dos poços da mina e a extrair o carvão ao longo das galerias. Uma luta em que se envolveram naturalmente o sindicato dos mineiros, as confederações sindicais e várias forças políticas, assim como autarcas locais.

Às reivindicações e direitos dos trabalhadores que deram ânimo a esta luta que marchou pelas ruas de Lisboa e às portas da Mina do Pejão manteve resistência durante cerca de um mês a exigirem melhores compensações nas indemnizações salariais, e menor tempo de serviço para idade de reforma antecipada considerando o trabalho mineiro de desgaste rápido e reconhecida perigosidade, a luta viria a terminar por votação de braço no ar em plenário dos trabalhadores, ao aprovarem uma proposta final em que a vitória nos ganhos remuneratórios e idades de reforma antecipada mais ajustadas à profissão de mineiro foi meramente simbólica nos finais de janeiro de 1995.

Tal despedimento imposto aos trabalhadores mineiros tinha sido programado pela decisão do governo em 1990, para encerrar as minas do Pejão até ao final de 1994, o que implicava contrapartidas que passavam pela disponibilização de fundos próprios e programas comunitários, nomeadamente o designado RECHAR I e II e do PRCRN. Instrumentos de propaganda para criar uma corrente de opinião favorável ao encerramento das minas, que garantiam financiamento europeu através dos quais o concelho de Castelo de Paiva beneficiaria, com o objetivo de investir em infraestruturas com particular aposta na melhoria das acessibilidades, até aí bastante difíceis e precárias como se veio a comprovar através da tragédia de Entre-os-Rios (4 de março de 2001), com a queda da Ponte Hintze Ribeiro que resultou na morte de 59 pessoas.

Promessas de investimentos para atenuar a crise social do fim da extração do carvão no Pejão, que não foi cumprida nos três anos que antecederam o encerramento da ECD, tendo sido motivo para as acusações entre autarcas e o governo. Responsabilidades que se prolongaram no tempo por vários governos e autarcas até a região e o país ficarem enlutados pela tragédia da Ponte, sete anos depois do drama social provocado pelo encerramento das minas.

Curiosamente os trabalhadores em luta e suas estruturas sindicais, nos seus argumentos de contestação à decisão governamental, lembravam que havia uma resolução do Parlamento Europeu de 1993, que afirmava, que, “só se deve poder encerrar uma mina, quando for possível fornecer aos mineiros, emprego estável”. Ou ainda, que, “a Comunidade (europeia) deve, para tanto, financiar os necessários cursos de reciclagem profissional”, orientação que o governo não valorizou, dando prioridade ao encerramento das minas do Pejão independentemente das inevitáveis consequências económicas e sociais na região por falta de alternativas de emprego. À porta da mina deixou não menos ironicamente, uma obra escultória em bronze retratando figurativamente os mineiros com a sua indumentária de trabalho.

Irónico sacrifício dos mineiros do Pejão

Como ainda recentemente, na cimeira do clima da ONU (COP29), que se realizou em Bacu, no Azerbaijão, os acordos pouco ambiciosos e inconsequentes para o abandono dos combustíveis fósseis, caminho para ainda salvar o Planeta e contrariar o acelerado agravamento da crise climática e suas consequências e catástrofes para a humanidade e a natureza. Foi mais um fracasso que continua a servir fundamentalmente os interesses económicos e disputas geoestratégicas das grandes potencias imperiais e capitalistas, que insistem assumidamente na continuada exploração e rentabilização dos recursos fósseis, desvalorizando mesmo as expectativas para os países (com o prazo de fevereiro de 2025 a esgotar-se), apresentarem os seus planos climáticos até 2035, ou seja, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) com vista a abandonarem os combustíveis fósseis e triplicar a capacidade de produção de energias renováveis, nesta década, que sem compromissos, como forçam também os negacionistas de forma fundamentalista, continuará a empurrar as consequências da crise climática para os próximos eventos, como a COP30 a realizar no Brasil em 2025. Adiando medidas que tardam.

Mas se o cenário ambiental já é inquietante com os efeitos das guerras e suas consequências, que persistem e se abatem com toda a sua destruição, mortandade e genocídio sobre os povos. As políticas de governos ditos democratas e liberais, ou assumidamente ultraliberais como a recente eleição do republicano Donald Trump e suas ambições de maior aposta nos combustíveis fósseis, ao reverter a política do democrata Biden, para favorecer o petróleo e o gás, não trazem sinais animadores para a esperança em melhores resultados nas próximas COP e consequentemente para contrariar os efeitos preocupantes das alterações climáticas que reconhecidamente se vão refletindo dramaticamente nos vários e diferentes continentes e na vida das populações, através do aquecimento global, das tempestades e catástrofes, como incêndios ou inundações que deixam rastos de destruição e morte.

Como resultado da falta de coerência dos países ricos e dos países das economias emergentes, em assumirem as suas responsabilidades nas medidas urgentes para reduzir o recurso, nomeadamente ao carvão, que acabou por ser imposto a países, a exemplo de Portugal, cujo governo da época foi exímio a cumprir as diretivas da União Europeia para encerrar a extração do carvão no couto mineiro do Pejão a exemplo de vários outros setores produtivos na agricultura ou nas pescas. A crise económica e social que se abateu sobre aquela região, economicamente dependente dos postos de trabalho nas Minas do Pejão, em Castelo de Paiva, originada pelo despedimento de cerca de mais 500 trabalhadores da ECD, ainda que ironicamente, não deixou de ser um sacrifício por uma causa justa, segundo as preocupações ambientais entretanto adquiridas no acelerado ciclo de agravamento da crise climática, mesmo que resumindo tal sacrifício laboral a um simbólico compromisso ambiental, que significaria o fim da extração deste combustível fóssil no país, quando 30 anos depois do encerramento das minas do Pejão, o carvão ganha redobrado alento nas politicas ultraliberais e negacionistas e está longe de a nível mundial deixar o carvão no fundo das minas para ajudar a proteger o Planeta combatendo o aquecimento global.

José Carlos Lopes

Um pensamento sobre “Após 30 anos do encerramento das minas do Pejão ironicamente o carvão ganha redobrado alento nas políticas ultraliberais e negacionistas

  1. Concordo em absoluto com o que refere. Estudei as Minas do Pejão, a convite do Município para fazer um museu de referência – Museu do Carvão & das Minas do Pejão – e até nesta importante questão cultural, o Município virou costas, ainda que tivesse Programa Museológico e Projecto Arquitectónico, sítio para implementar o museu e colecção de objectos e documentos. Nunca ninguém me disse nada sobre as razões da não continuidade, a não ser que houve comparticipação financeira julgo que da CE. também neste caso os mineiros e as suas famílias foram preteridas no seu próprio ego e na sua epopeia de lavra do carvão, por indiferença municipal. Aconteceu isto em 2004 e anos seguintes.

    Jorge Custódio

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